Kantorovich - Jogos repetidos no balcão - Outros.
Pode usar a máquina de lavar pratos quando quiser, adolescente preguiçoso da mamãe!
O v(3), n(35) chegou. Vamos correr antes que acabe.
Kantorovich - Em um artigo de 1990, no Journal of Economic Literature, Roy Gardner conta a história de Leonid V. Kantorovich, o grande matemático soviético que dividiu o Nobel de Economia em 1975 com Tjaling Koopmans. Baseio-me fortemente nele para falar um pouco do famoso russo. Sim, quem já trabalhou com programação linear passou por Kantorovich em algum momento.
Talvez programação linear não seja mais um tópico tão frequente em livros de Microeconomia (ou mesmo de Economia Matemática), mas era um dos mais difíceis capítulos destes livros lá pelos anos 60, 70, 80 ou mesmo 90. Alunos (e estudantes) de Economia suavam frio com alguns problemas de final de capítulo.
A história de Kantorovich é interessante pelo que ela nos ensina sobre a Ciência em um ambiente em que o governo decide o que é desinformação e censura o que se pode não apenas falar, mas fazer, em nome de algum esotérico conceito de bem comum.
Pois bem, imagine a economia soviética em seus primeiros anos, sob o predomínio do marxismo (ou da interpretação oficial do marxismo), na qual se falar de preços e custos sob uma ótica que não fosse a do valor trabalho seria um pecado sério. É neste período que Kantorovich viveu.
Aliás, Gardner nos conta que:
One of Stalin's first acts after taking dictatorial power in 1929 had been to purge the economists-a full seven years before the purges of the Communist party began. Figures such as Kondratiev, Feldman, and Groman vanished into the Gulag then, never to reappear. According to Stalin, the planned economy of the USSR was already "dizzy with success"; hence any criticism of it was anti-Soviet propaganda, a serious crime. In particular, anyone openly suggesting that waste could be cut substantially was at great personal risk.
Sim, Kondratiev, tão querido dos velhos marxistas brasileiros (quem não se lembra dos artigos de Ignácio Rangel, nos jornais, dizendo que tudo era uma questão de em que fase do ciclo estávamos?), foi levado para um Gulag (os famosos campos de concentração soviéticos) para nunca mais voltar. Um final triste para um personagem tão importante na história dos ciclos econômicos.
Kantorovich, que não via muito problema em usar ciência ao invés de ‘apenas a ciência permitida pela ideologia oficial’, meteu-se em algumas enrascadas, como nos conta o autor. Por exemplo, a despeito do policiamento de Stalin aos críticos, e pensando em reformar o socialismo por meio de métodos de otimização, ele escreveu ao Gosplan recebendo, claro, uma resposta negativa.
Em outro episódio envolvendo uma fábrica de automóveis, Kantorovich é chamado para ajudar a minimizar o desperdício de sucata. Adotando seus métodos, o desperdício cai pela metade, mas cria um problema político já que fábricas de aço da região usavam a sucata (excessiva, já que era um desperdício…). Resultado?
…Kantorovich was ordered to appear at Leningrad party headquarters for allegedly sabotaging the economy.
Gardner nos conta que a situação só não foi pior porque os militares levaram-no para seu programa atômico. Como dizem, prioridades são prioridades, mesmo que o discurso seja outro. Foi assim na URSS, é assim em qualquer lugar do mundo.
Posteriormente, já na época de Nikita Khrushchev, Kantorovich e seus seguidores (o mais famoso talvez seja Nemchinov) foram alocados a um laboratório na Sibéria que, como diz o autor, era convenientemente distante de Moscou e arredores. Troca-se mais liberdade de expressão por um isolamento social.
Um dos pontos mais ilustrativos da censura soviética é que, mesmo nos anos 60, era tabu falar de matemática em economia na URSS, o que rendia a Kantorovich diversas críticas dos economistas marxistas, então detentores do discurso ‘livre de desinformação’ segundo a lei e o governo soviéticos.
Não foi fácil, mas a vida do camarada Kantorovich melhorou nos anos 60 (ele morreria no final dos anos 80). Sua história mostra o quão distorcivo e contraproducente um governo pode ser quando decide o que é ou não ciência.
A história de Kantorovich não é muito diferente das de tantos outros soviéticos (não só economistas ou matemáticos, mas também escritores). Os relatos de suas trajetórias intelectuais nos levam ao mesmo ponto: governos que desejam definir o que é verdade (e, portanto, o que não é verdade) terminam, na melhor das hipóteses, sufocando a criatividade das pessoas ou, pelo menos, atrasando seu progresso.
Repare que Kantorovich ganhou o Nobel em 1975 e mesmo o reconhecimento internacional não impediu o governo soviético de tentar censurar a ele e aos demais cidadãos por muitos anos até, pelo menos, a queda do muro de Berlin. A democracia imperfeita que se construiu por lá, obviamente, não foi suficiente para impedir a chegada ao poder de autocratas como Putin.
É difícil imaginar que existam pessoas que vejam com bons olhos a repressão ao pensamento ou que tenham a pretensão de que podem definir o que é ou não verdade. Entretanto, estas pessoas existem. Talvez até em quantidade maior do que o ótimo, como diria, creio, Kantorovich…
Jogos repetidos no balcão - Em Teoria dos Jogos, há uma categoria de jogo chamada jogos repetidos que diz respeito, obviamente, a jogos repetidos no tempo. Por exemplo, jogar par ou ímpar com um amigo repetidamente.
Pois eu tenho um exemplo de um jogo repetido para você: com uma frequência alarmantemente alta, passo por uma lanchonete e, ao fazer o pedido no caixa, digo: “- Uma água com gás, por favor”. A moça do caixa registra, cobra, e, em seguida, pergunta para mim: a água é com gás?
Eu sei que há uma técnica dos vendedores para evitar consumidores com necessidades especiais de atenção, que sempre se enganam ao comprar água em pequenos mercados (os vendedores do Hirota Foods, por exemplo, sempre me perguntam se realmente quero água com gás). Faz sentido, claro.
Só que, quando você está do outro lado do balcão, encarregada de pegar o produto, atendendo a um cliente que já o especificou (na esperança de economizar tempo), esta técnica perde um pouco o sentido. Sim, ainda é uma conferência, mas o sinal que o comportamento me transmite é o de que o vendedor é quem tem necessidades especiais de atenção.
Quando repito toda a especificação do produto (ou da combinação de produtos da minha cesta de consumo) para estes vendedores distraídos, meus pensamentos se voltam para o vendedor da Starbucks que, um dia, ao receber o pedido detalhado, agradeceu-me por não desperdiçar o tempo dele com indecisões que caracterizam boa parte dos consumidores que estão (geralmente) em nossa frente, na fila…
Ditos populares - Muito pale$trante diz que mudou a maneira como pensamos. Desta vez, eu concordo. Mudou mesmo. A maneira agora é: não pensamos. Duvida? Olhe à sua volta.
Fake news…só as suas - Eli tem uma ótima história sobre como ele combateu as fake news e ninguém, praticamente, quis lhe dar atenção.
Metas de Inflação - Indicado pelo Drunkeynesian, lá no Twitter, esta apresentação do BCB é um bem público para qualquer um que queira aprender sobre como funciona o sistema de metas de inflação no Brasil.
Irado este vídeo - O pessoal que parou de fazer o FiBoCa (o que causou muita ira entre os órfãos do programa, eu incluso) fez um ótimo vídeo sobre…a ira. A piada do Luigi sobre o Mussum-lini e o 'fascismis’ ficou ótima!
Salários mínimos e a gentrificação dos empregos - Michael Munger escreveu um ótimo artigo, aqui. O argumento? Deixo o próprio explicar.
If you force much higher wages — and a “living wage” of $15/hour for an entry-level job in fast food is much higher — then you will “gentrify” jobs. Where $7.25/hour can work for someone with no experience, if we double wages up to $15/hour then a different class of worker will “move in.” People with no experience and at most a high school diploma will be facing experienced college graduates who now want that $15/hour job. Just as wealthy people gentrify a neighborhood, more experienced people gentrify the jobs that poor people once depended on.
É um ótimo insight.
Bom final de semana. A gente se vê em breve. Até lá, vida longa e próspera!
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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