José e a maldição dos livros - Chuvas - Flecha, Banzé e eu - Jovens Talentos - Finados - Lafcadio Hearn - Columbo boladão - O homem por trás do discurso mais famoso de Ronald Reagan.
Os políticos e juízes fazem o que quiserem e a lei que se adeque. Você? Apenas pague seus impostos que terá direito à senha do wi-fi.
O v(4), n(46) chegou já anunciando que o ano está no fim.
José e a maldição dos livros - José sonhava muito em comprar muitos livros e ter uma biblioteca. Livros digitais? Sim, ele também tinha alguns, mas gostava mesmo do cheiro do papel, do toque nas páginas, da criatividade das capas.
Enfim, José era um viciado em livros. Vício bom, é verdade, que aos poucos ajudou a formar seu conhecimento. Começou, como todo mundo, lendo muita porcaria misturada com bons livros. Os clássicos e os livros de autoajuda mal escritos ocupavam, inicialmente, o mesmo lugar em suas prateleiras.
José, como todo outro ser humano, tinha capacidade de discernimento e vivia em um país que valorizava a liberdade de expressão de forma muito consistente e isto permitiu a José ler de tudo e, com sua capacidade crítica, escolher o que era melhor para si.
Muita gente diz defender o direito das pessoas desenvolverem seu senso crítico, mas, no fundo, só entendem que o senso seja mesmo crítico quando critica o mesmo que eles criticam. Gente assim não é uma sincera defensora da máxima expressão de um indivíduo. Pelo contrário, se puderem podar a liberdade de pensamento, vão fazê-lo…e em nome do senso crítico. É aquela história do militante que diz achar linda a ação da ‘sociedade civil organizada’ quando, no fundo, quer dizer que admira mesmo uma ‘sociedade civil organizada…por ele e seus amigos (ou asseclas).
Bem, como eu dizia, José gostava muito de ler. Foi quando achou ter descoberto a fórmula mágica para que os livros fossem sempre de fácil acesso a todos: bastaria congelar o preço dos livros por um ano. De preferência, que o nível do congelamento fosse baixo porque, afinal, livro é importante demais para ser caro. José, aliás, igualava biografias de políticos a livros de autoajuda, manuais para concursos etc.
José foi até o parlamento de seu país e vendeu sua proposta para os políticos que, por sua vez, conversaram com as principais editoras de livros que, há algum tempo, tentavam vencer as livrarias online, que sempre davam descontos em livros, promovendo vendas, mas a um preço menor. Os donos das grandes editoras acharam a idéia maravilhosa porque poderiam estabelecer o preço do lançamento em níveis até maiores do que o poderiam. Além disso, com o preço uniformizado, a concorrência estaria praticamente eliminada.
Em regime de urgência, em uma noite de domingo, os políticos aprovaram o projeto. No dia seguinte, José viu-se diante de um mundo estranho em que todas as livrarias praticavam os mesmos preços. Não havia mais promoções. Os preços estavam congelados, mas não eram necessariamente baratos. A situação piorou logo depois, pois os políticos aprovaram subsídios para algumas editoras - politicamente mais influentes - e, como se sabe, subsídio sai do bolso de quem paga impostos. José, que não ganhava um salário lá muito alto, ainda teve que arcar com mais um imposto.
Os políticos se assanharam com esta intervenção no mercado e a bancada identitária aproveitou para mandar queimar livros com trechos considerados (por eles apenas) como microagressivos (um conceito novo, em busca de um fundamento científico sério, mas muito usado no país de José, por políticos). Como a Bíblia contém trechos para lá de anti-identitários, a briga ficou mais confusa e problemática, pois envolveu a população religiosa.
A oferta de livros mudou, com o governo dizendo o que podia ou não ser publicado, dizendo-se um defensor da democracia e da livre concorrência. José, desesperado, via tudo aquilo acontecer e pensava no porquê dele ter levado aos políticos um projeto que, agora, via como extremamente perigoso. Pensou em consultar a presidência ou a suprema corte, mas ambos estavam, na verdade, apoiando ardorosamente os limites da liberdade de expressão.
“- Mas, Tábata, e nossos livros?, perguntou à sua amiga de infância.
- José, você tem que entender que a liberdade tem limites.
- E quem estabelece os limites, Tábata?
- O governo, ué? Olha, mas só vale se for um governo que eu ache democrático.
- Este aí que está fazendo isso tudo…
- Totalmente democrático, José. Você deveria considerar ir para os novos campos de reeducação democrática que o governo criou. São incríveis. A gente esvazia os presídios e usa o mesmo local como um campo de reeducação. Você que defende a liberdade, com certeza…
- Tá, Tábata. Não vamos falar mais disto.”
A literatura do país virou um produto tão caro, não só em termos econômicos! Além do custo para manter todo o aparato de regulação do que se podia publicar, dos subsídios e do congelamento de preços, a sociedade ficou menos diversa. Uniformizou-se o pensamento. Não havia mais debate de idéias (é, com acento. Não gostou? A porta é logo ali.) e José, que via aquilo tudo acontecer, ateou fogo em sua biblioteca e se jogou nas chamas, sonhando em encontrar, no além, a tal vida boa que quase todas as religiões prometem.
Chuvas - O dia chegou e a chuva finalmente veio. Ao contrário do ano passado, nada de cachoeiras no apartamento. Sim, a mudança do telhado, tão adiada pelo condomínio, teve que ser feita e agora colhe-se os bons frutos do dinheiro bem gasto. É o que dizem: tem barato que sai caro (e tem caro que sai barato?).
Não é que chova todos os dias, mas chove mais do que o zero absoluto que foram os quase seis meses anteriores. Uma consequência boa é o clima que parece esfriar um pouco mais à noite, facilitando o sono. Ironicamente, tenho tido insônia…
Flecha, Banzé e eu - Tenho tentado manter visitas periódicas para meus amigos mais queridos do mundo canino: Flecha e Banzé. Agora, ao invés de efusivas lambidas por toda minha cara, orelhas etc. por 5 ou mais minutos, tenho as mesmas por uns 2 minutos porque os dois já querem brincar de bola.
É interessante a inteligência destes maravilhosos seres, não? Flecha e Banzé têm temperamentos e gostos diferentes. Flecha corre atrás da bola traz até você (na verdade, ele escolhe quem será o próximo a lançar a bola) e, de fato, parece uma flecha. Já o Banzé não se esforça tanto para pegar a bola e não traz exatamente para alguém. Parece pensar que só pegar e largar já está muito bem.
Eu não ligo para as diferenças. Só me deixa preocupado a ciumeira de um com o outro quando um deles chega primeiro a mim. Haveria de chegar o momento da minha vida em que eu seria disputado. Senão por humanas, pelo menos, por cães. Não é a mesma coisa, eu sei, mas a diversão compensa.
Jovens Talentos - Uma ótima iniciativa do Instituto Millenium deu à Nicole, do grupo de pesquisas ELIB (Estado e Liberdade) a oportunidade de publicar seu extenso texto sobre a previdência, em duas partes (aqui e aqui). Jovens inteligentes são importantes para a construção de uma sociedade mais livre, portanto tolerante e promotora da criatividade. Hayek nos falou do uso do conhecimento disperso na sociedade e, acredito, uma das mensagens que se tira de sua obra, é a de que é importante trabalhar para que existam as condições para que esta sociedade possa florescer. A iniciativa do Millenium é para lá de bem-vinda.
Finados - Eu não tenho muito jeito com o dia dos finados. Não consigo ir a cemitérios e pensar que há apenas um dia para me lembrar deles. Talvez seja um pouco desta herança japonesa que carrego no meu DNA: reverenciamos os antepassados o tempo todo. Os mortos sempre estiveram ao meu lado, ou nas minhas ações por meio da carga genética.
Claro que tenho boas lembranças do meu avô materno, o único brasileiro de uma família de portugueses, que tinha, no seu imenso (para uma criança) quintal um moedor manual de cana, sempre me dando um copo de garapa, nas visitas que lhe fazíamos. Também tinha um pé de maracujá do qual me aproveitava quando das visitas. Ainda em vida, era nele a festa de Natal, com minha mãe e irmãos e meus primos. Foi um bom avô para nós.
Meu avô paterno morreu quando eu era ainda uma criança. Lembro-me de uma cerimônia, que não sei se católica ou budista, seguida de um banquete, este sim, budista, para comemorar sua morte. Inicialmente foi muito estranho, para mim, entender que havia uma festa ali, com a morte do meu avô. Depois me explicaram que se comemorava sua ida para outro mundo e tudo ficou um pouco mais leve.
Meus ex-sogros morreram mais recentemente. Um, de uma apendicite, no final da pandemia. A outra, já muito maltratada pela demência, neste ano. Ambas as mortes me afetaram muito. Eram pessoas muito boas para mim. Fui ao velório de ambos, mas não consegui ficar até o enterro da minha ex-sogra. Foi a primeira ex-professora minha que vi deitada, em paz, no caixão. Não que professores não morram, é só que eu nunca havia visto mesmo.
Ao longo dos anos vão se acumulando as mortes de pessoas próximas. A distribuição de falecimentos de conhecidos/familiares ao longo da vida de uma pessoa, imagino, concentra-se mais à direita, provavelmente após os 40 anos de idade. É mais ou menos nesta idade que, lentamente, começamos a testemunhar estas mortes. Provavelmente algum estatístico já estimou isto.
Lafcadio Hearn - A editora João e Maria (que é a melhor coisa em termos de literatura infantil) lançou uma pequena coletânea de contos de Lafcadio Hearn, O menino que desenhava gatos. Hearn é autor do clássico Kwaidan (pronuncia-se Kaidan) que já citei aqui, há alguns anos. O conto que dá o título do livro é mais um belo exemplo de contos ‘fantasmagóricos’ na tradição japonesa. Livro mais que recomendado.
Columbo boladão - Veja você mesmo.
O homem por trás do discurso mais famoso de Ronald Reagan - …é Peter Robinson, host do Uncommon Knowledge (que é um ótimo programa!). Sim, ele mesmo. Eu não sabia desta história. Vivendo e aprendendo.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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