Hayao Miyazaki e o Processo Criativo - O Último Dia da Terra - Bordões
A solidão nunca me falta. O dinheiro, no meu caso, acaba num instante, mas a solidão não tem fim...
O v(3), n(47) é este mesmo. Não aceite (l)imitações. A frase acima está em O Ofício, de Serguei Dovlátov, que consegui voltar a ler, ainda que muito pouco. Bom, de grão em grão, a gente mata os ucranianos de fome, diria Stálin.
Hayao Miyazaki e o Processo Criativo - A NHK lançou o documentário “Dez anos com Hayao Miyazaki”, em quatro partes. Está disponível no site da emissora ou, se preferir, assista já o primeiro aqui.
Atraiu-me o fato de se tentar captar, com o documentário, dentre outros, o processo criativo do famoso diretor. Gosto da discussão sobre processo criativo porque é uma também uma discussão do que economistas chamam de tecnologia ou função de produção (f.d.p., não confundir com a famigerada função densidade de probabilidade ou outras genéricas atribuições a estas inocentes letrinhas!).
A tecnologia é inevitavelmente ligada à inovação e ao empreendedorismo que é algo muito mais geral do que alguns - mal-intencionados - temem que todos percebam, qual seja, o caráter geral e naturalmente humano do termo ‘empreendedorismo’ (pois isto atrapalharia seu discurso ‘contra o capitalismo/mercado’).
Deixando o desabafo no meio do caminho e voltando ao texto, Hayao Miyazaki ganhou dinheiro com filmes que não são considerados, exatamente, ‘filmes comerciais’ (embora nenhum filme não seja ‘não-comercial’, já que atores, diretores e demais membros do time precisam pagar seus boletos).
Como já disse Tyler Cowen, há muitos anos (acho que foi em um artigo na ótima Reason), aliás, Hollywood produz de tudo: desde Paris, Texas até Vingadores. Assim, vamos parar com este preconceito bobo (não somos todos pessoas ‘em desconstrução’ porque somos contra os preconceitos?) e vamos usar nosso cérebro para apreciar, criticar, amar e odiar filmes, ok? Aliás, deveria ser admirável o fato de que podemos produzir arte e lucrar com ela. É o que pensam alguns vendedores ambulantes com jeitão hippie que vejo em algumas esquinas…
Voltando ao processo criativo, não há nada mais humano e individual do que… o processo criativo. Seja o contexto que você tiver à sua volta (e nem sempre ele será o mesmo pois um homem nunca se banha duas…), sem dúvida, você criará algo. Miyazaki, no primeiro episódio, fala das maravilhas que se pode perceber no mais ordinário dos contextos. É o que o leva, por exemplo, a colocar uma filmadora no banco do passageiro de seu carro.
Não há nada de mágico, extraordinário ou inesperado no processo criativo de Miyazaki, ou no meu, no seu etc. É muito trabalho, rotina, buscar inspiração em algo, muito trabalho, rotina, aperfeiçoar as idéias (com acento sim, dane-se) e assim por diante. Claro, há o trabalho em equipe, o que implica ter uma boa equipe e há a gestão da equipe, algo que, às vezes, exige uma bela bronca (sim, Miyazaki tem seus momentos…).
E é por isto mesmo que Miyazaki é sensacional. Afinal, não é fácil criar e gerir equipes e seu sucesso mostra que ele faz isto cativando milhões de pessoas. Vá lá tentar fazer o mesmo!
p.s. Como mencionei: no episódio terceiro, lá pelos 40 minutos, você vê Miyazaki bravo. Admirável de se ver (assista e me diga, depois, se não foi mesmo admirável).
p.s.2. Creio que o documentário também está disponível com narração em português, mas não encontrei o link.
O Último Dia da Terra - Amanheceria com o céu azul como nunca havíamos visto, mas com nuvens carregadas, com aquele cinza escuro típico. Ouviríamos os pássaros e os galos e seria uma manhã como qualquer outra. Sairíamos de casa para caminhar ou fazer compras na padaria e o trânsito estaria tranquilo como deve ser o trânsito da manhã do último dia da Terra.
Encontraríamos uma senhora idosa com um cachorro e uma não tão idosa com outro cachorro e os cachorros latiriam um para o outro, num tom alegre de reencontro. Na janela do prédio ao lado, por trás da grade, um simpático bichano observaria, majestosamente, a calçada, a rua e a outra calçada.
E andaríamos pela rua pensando em tudo e em nada - porque é assim que caminhamos quando estamos distraídos - e poderíamos ver, lá longe, o topo de alguma montanha (o último dia da Terra é mineirinho) de cores verde e marrom. Talvez até umas vaquinhas deitadas sob a sombra de alguma árvore por lá haveria.
Em uma esquina encontraríamos uma padaria simples, de pães não tão saborosos, mas que estaria aberta para servir um café bem dos mais ou menos. Esta padaria teria mesas e cadeiras de madeira e as toalhas de mesa seriam quadriculadas (em vermelho e branco, claro). O pão de queijo, este sim, estaria saindo do forno e perceberíamos isto observando o vidro embaçado do balcão.
Compraríamos um pão de queijo e nos lamentaríamos da falta de algum suco, mas sem aquele tom ranzinza dos que acordam irritados sem motivo aparente. Pagaríamos o pão de queijo e sairíamos para seguir caminhando ouvindo, apesar da cidade grande, um ou outro bem-te-vi se manifestar (e, sim, ele se manifestaria).
O silêncio seria ligeiramente maior do que o normal e haveria uma brisa fria. Não o frio da morte, mas o frio de um inverno que não foi tão longo quanto gostaríamos. Enfim, um frio, este sim, ranzinza e incomodado com seu baixo poder de fazer-nos bater os dentes, que sorriria ao ver um ou outro idoso de camisa e blusa, praguejando sobre o frio, que para ele sempre é mais do que para o jovem.
E andaríamos muito, apreciando o abrir das lojas e padarias. Sorriríamos para as crianças em seus carrinhos de bebê que sempre nos olham curiosas. Sorriríamos também para as crianças mais velhas, que andam por aí de mãos dadas com a mãe ou com o pai e elas devolveriam o sorriso de forma desinteressada (os bebês o devolvem com mais alegria do que os molecotes, como todos sabemos).
Encontraríamos um engraxate, mas estaríamos calçando tênis - é sempre assim! - apesar dos nossos sapatos quase implorarem por um pouco de graxa. Um charuto seria comprado porque, sabe como é, nunca se sabe quando o mundo acabará. Tomaríamos um café e admiraríamos algumas belas canetas na vitrine da charutaria.
Compraríamos café em grão pensando em algum experimento novo com café (cold brew, pois não? Sim, seria uma boa opção…). Sorriríamos para o céu e sentiríamos certa melancolia inexplicável, o que nos levaria a pensar em algum fato triste de nosso passado, pelo menos por alguns minutos, provocando alguma reflexão corriqueira, banal mesmo, sobre o sentido da vida.
Ao invés de voltarmos para casa, como planejado, andaríamos mais, buscando aproveitar a manhã do último dia da Terra (embora ainda não soubéssemos disto). Carregando nossas angústias, alegrias ou lembranças, seguiríamos andando até que, subitamente, a Terra morreria.
Viver como se hoje fosse o último dia? Sim. Afinal, o guerreiro deve estar sempre preparado para a morte.
Bordões - “Muy amigo”, “e se não tiver”, “assim com os hômi”, “tá faltando xerife neste filme”, “tás brincando”. Sim, alguns de nós conhecem o humor de antes da TV Pirata. Agildo Ribeiro, Jô Soares, Miele, Paulo Silvino, Costinha e tantos outros ocupavam as noites (de segunda? Ou era de quarta?) com seu Planeta dos Homens, programa criado na esteira do sucesso do filme O Planeta dos Macacos.
Era a época da ditadura militar brasileira, esta que permitia programas de humor que explicitamente faziam críticas ao regime e à corrupção dos políticos. O final dos anos 70 foi tudo, menos um período ‘linha dura’. Por quê? Talvez pela esperança de repetir o ‘milagre econômico’ (1968-73) e ganhar a admiração dos brasileiros, a despeito dos sinais de que nem o milagre, nem a admiração voltariam a acontecer.
Vi um quadro, recentemente, do programa, em que dois sindicatos ‘de pedestres’ distintos entregam boletos para um mesmo pedestre pobre (um Marco Nanini jovem) que, ao final, é assaltado. Já daquele tempo sabíamos das distorções causadas pelos seguidores de Jimmy Hoffa e outros mafiosos e percebi que o Febeapá não mudou tanto assim.
Alguns destes bordões ainda sobrevivem (como o muy amigo). Aquele foi um tempo em que as pessoas não se preocupavam em censurar palavras ou expressões. Esta era a tarefa dos censores do regime militar (aliás, até eles eram menos intolerantes).
À época, o paradigma era o de que a democracia era um valor universal e que a mesma não prescindiria da liberdade de expressão. Eram tempos, como diriam os mais jovens, em que todos eram fascistas, inclusive os que lutavam pela liberdade de expressão porque, afinal, a liberdade de expressão não pode ser absoluta, pois podem surgir idéias (como a de tirar o acento de ‘idéia’) que não me agradam, o que só prova que o fascismo é onipotente, onipresente e autolimpante, motivo pelo qual é preciso censurar sempre. Em nome do amor, claro.
Sobre isto, aliás, vale este trecho de (d’) O Ofício, livro citado no início desta. O autor, Dovlátov fala sobre o jornal que ele e outros emigrados russos escreviam nos EUA e da concorrência que sofriam de outro jornal de emigrados, também russos, que viviam acusando-os de serem ‘colaboracionistas’ do regime soviético.
Viva a liberdade de expressão!… Mas com uma pequena ressalva: desde que a liberdade fosse dada a alguém de mesma opinião que a minha.
E o que seria daqueles cujas opiniões estavam em desacordo comigo? Para onde mandá-los? Para a prisão? Para as galés?…
As pessoas emigravam para pôr em prática seus direitos legítimos. O direito de criação. O direito de prosperar materialmente. E ainda o sagrado direito de não ter razão. O direito de errar!
Em casa, os que não tinham razão eram liquidados. Degredados para um ‘láguer’. Demitidos de suas funções. Mas agora estamos na América. Há liberdade por todo lado, e nós nos encontramos atrás das grades. Atrás das grades de nossa lamentável intolerância… [p.177]
Ser obrigado a desrespeitar a língua portuguesa ou a aceitar desinformação (como a sabidamente falsa origem escravocrata da palavra ‘criado-mudo’) em nome da tolerância é um desserviço à tolerância e à tão propalada (e realmente desejada?) convivência pacífica entre os ‘diferentes’. Há meios mais honestos de se promover a boa convivência social (a não ser, claro, que você seja um daqueles marxistas clássicos que pensa que tudo na sua vida deve servir a uma revolução que começa destruindo tudo o que existe).
Lembrando do icônico garçom, papel de Jô Soares no programa…
“- Um pouco mais de tolerância, garçom.
- E se não tiver?”
Até mais.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
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