Gostou do Peru de Natal? - 2024 já está entre nós, você só não percebeu - O ministro maluquinho - Outros.
Canta, canta meu surrão, Senão te meto este bordão.
Eu me enganei. Este, sim, é o último número de 2023 (v(3), n(71)). Afinal, 27 de dezembro ainda se localiza na fronteira com 2024.
Para terminar o ano, um último caso para o doutor Palhinha, aquela personagem que roubei do Alexandre Soares Silva com seu consentimento (no Brasil, a gente rouba na cara dura porque, no fim, o STF não deixa nenhum ladrão ficar preso).
O subtítulo? Do conto A Menina dos Brincos de Ouro, da coletânea Contos Tradicionais do Brasil para jovens do grande Luis da Câmara Cascudo.
Gostou do Peru de Natal? - Seu Pipoca olhou bem para o doutor Palhinha e repetiu a pergunta, com aquela ansiedade de uma criança na véspera de Natal:
“- Gostou do Peru de Natal?
- Ó, tá da hora!”
À sua frente, sobre a velha toalha de mesa - velha como todas as outras da padaria do Pipoca - estava o prato com o - na opinião de Pipoca - majestoso sanduíche de peito de peru, lançamento de Natal na padaria.
Sendo o nosso investigador favorito o primeiro freguês do dia, não teve outro jeito: foi o primeiro a testar o novo sanduíche. Era uma iguaria simples: pão francês e fatias longas de peito de peru. Não tão longas a ponto de terem partes jogadas ao chão à primeira mordida, mas também não tão pequenas de forma a causar indignação no freguês.
Seu Pipoca era um dono de padaria bem honesto: seus lanches eram condizentes com o preço anunciado. Disso já sabia o doutor Palhinha, freguês da padaria taubateense há mais de dez anos. Sabia também que deveria chegar ao local do crime, no máximo, em quinze minutos. Não era tão longe. Desta vez, o mistério a ser resolvido ocorrera na vizinhança do bairro.
Terminado o sanduíche, o investigador sorriu, bateu na barriga e pagou ao Pipoca que ficou para lá de feliz com a satisfação do cliente. Ainda tentou lhe vender mais um café (é, doutor Palhinha também havia tomado um café, mas o que isso altera na trama da história? Nem o café era tão bom assim para ser mencionado, enfim…), sem sucesso.
Caminhando pela rua, nosso herói não pode deixar de notar a homogeneidade das decorações de Natal nas casas e edifícios. Já de algum tempo o povo de Taubaté - talvez do país também? - não se esforçava para criar alguma decoração especial para a ocasião. Compravam os mesmos enfeites chineses. A economia do Brasil nunca foi muito aberta ao exterior e, apostava o investigador, o lobby chinês adora ser quase o único fornecedor de quase tudo que é produto barato no país.
De todo modo, aquela falta de variedade tocava o coração do intrépido doutor Palhinha que ainda guardava lembranças de uma infância mais divertida, montando com o pai alguns ornamentos exóticos para decorar o jardim da casa naquela época do ano. Teria sido, reza a lenda local (e sua memória), criação de seu pai o duende de Natal com asas e pés de pato que tantos comentários gerou na missa de domingo, em algum ano incerto, mas agradável de sua infância.
A magia da lembrança, contudo, desapareceu quando deu de cara com os policiais na porta da casa do Padre Brown, o pároco visitante que havia chegado da Inglaterra há alguns meses e se instalado em Taubaté para ajudar o padre Francis na construção do abrigo da igreja.
Antes que pudesse bater à porta, surgiu lá de dentro o sargento Cascudo que explicou ao doutor Palhinha de que se tratava aquilo tudo.
“- Então, doutor Palhinha, bom dia, né? Assim, deixa eu explicar, é que o elemento padre americano aí, este baixinho ao lado do elemento vigário, tinha consigo um guarda-chuva que trouxe do país dele e que guardava, segundo o elemento vigário, com muito carinho, junto aos seus pertences, no quarto.
- Tá, seu Cascudo, mas o que o padre Broun…
- É Brown, doutor.
- Isto, Brown, brigadu, seu Cascudo, onde ele tava quando o guarda-chuva, presumo, sumiu?
- Exato, doutor. O elemento padre é positivo na informação do roubo. Diz que estava rezando com o elemento padre Francis, na sala e que o guarda-chuva estava em seu quarto junto à sua maleta.
- Ocêis já viram tudo?
- Sim, doutor. Negativo para o instrumento guarda-chuva.
- Tá bão. Vamô lá falar com o padre.”
Doutor Palhinha temia pela conversa porque seu inglês não era lá aquelas coisas. Para sua sorte (e por preguiça deste autor), padre Brown se comunicava razoavelmente bem em português.
“- Ó, seu padre, bença.
- Ok, God te abençoa minha filho.
- My nêimi is dóktorr Palhinha.
- Oh, I see. Vamos falar no português, minha filho. Eu fala algo no seu língua. Pode explicar procê.
- Obrigado, seu padre. Vou falar devagar, tá bão?
- Yeah, bão.
- Então, seu padre, conte-me mais sobre o guarda-chuva.
- Well, minha filho, é uma presente de minha mãe, sabe? Sempre o carrego porque a gente never sabe quando vem um chuva…
- Sim, entendo. Mas sobre o sumiço…
- Sumiço?
- Ah, o roubo…
- Oh, yeah, sim. Eu estava com amiga padre Francis orando ali no sala. Aí só ouvi um barulho do janela. Corri para o quarto, mas só notei que minha guarda-chuva sumiu…
- Entendi, seu padre. Pódeixá que eu vou achar pro senhor.
- Se quiser, posso eu ajuda.
- Oh, não, melhor o senhor descansar, seu padre. Xá comigo!
- Eu, bem, ok, vou confiar na senhor.”
Doutor Palhinha não sabia explicar, mas sentia que o padre tinha um quê de investigador e, sim, uma potencial competição atiçou o espírito do bom doutor que se trancou no quarto do padre e se meteu a pensar no caso com a mão direita sob o queixo, como sói ocorrer com todo grande investigador que não seja maneta (ou que não tenha um gancho (ou mesmo tesouras) no lugar de uma das mãos).
Passados alguns minutos, saiu do quarto com o guarda-chuva em mãos.
“- Padre Brown, seu danado!
- Como a senhor descobriu, doctor?
- Uai, seu padre arteiro! Primeiro, só o senhor ouviu o barulho da janela. O padre Francis, obviamente o seguiu. O senhor havia escondido o guarda-chuva dentro da mala, não da maleta porque sabia que os policiais não iriam se arriscar a mexer na mala de um padre. Não os nossos, aqui da região, que é tudo gente católica!
- Oh, como eu suspeitava! A senhor é bom mesmo!
- E o senhor sabe, quem mais iria querer um guarda-chuva a ponto de roubá-lo? Só um inglês seria capaz disso. Vocês americanos são todos iguais! Adoram chá e guarda-chuvas!
- Brilhante! Brilhante! Só que a senhor comete um engano. Inglês, não americano!
- Oh, me desculpe, seu padre. Nunca fui bom em Geografia. É que inglês e americano é tudo igual prá mim. Só me explica o porquê…
- Não ser óbvio? Eu queria conhecer o maior detetive vivo do Brasil! Entender seus métodos e…presenteá-lo.
- Uai, que isso, seu padre…como assim…
- Fica com o guarda-chuva. Eu insiste. Sabe eu também sou inves…
- …tigador. Eu desconfiei, seu padre. O senhor tem algo de detetive, não sei bem o que é…
- Deve ser meu jeitão chestertoniano.
- Queijo chester, seu padre?
- Vem comigo, eu te explica no caminho…”.
Os policiais foram dispensados - alguns saíram olhando de soslaio para o padre - e o caso encerrado. Doutor Palhinha e Padre Brown foram caminhando até a padaria do Pipoca onde saborearam mais dois sanduíches de peru. Não começou a nevar, mas o recesso do Ano Novo se aproximava e, com ele, uma sensação de que a vida dos investigadores poderia ser um pouquinho, mas só um pouquinho mesmo, indeed, melhor.
2024 já está entre nós, você só não percebeu - Pois é. Eu e o Ari fizemos nossa retrospectiva econômica brasileira. Saiu no dia de Natal, na Gazeta do Povo.
O ministro maluquinho - Polzonoff (já assinou a newsletter dele?) fez mais um texto divertido (com sugestão útil de neologismo). Está aqui.
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Obrigado, mais uma vez - Caros leitores, mais um ano que termina. Há algum tempo tenho a sensação de que o ano terminará depois de mim, mas, por algum lapso dos deuses, eu o ultrapasso na reta final.
O ano que se encerra marca o terceiro ano desta newsletter que escolheu ser este misto de ficção e não-ficção e algumas indicações de vídeos, outras newsletters ou outros textos. Seguiremos neste mesmo formato. Neste ano, por conta da atribulada rotina, passamos a um número semanal (acho que foi no final do primeiro semestre, já não me lembro). Chegamos a 71 números (acho que só fiz um número extra neste ano, o que nos daria 72 números…). É pouco? É muito? Sei lá.
Tem sido uma longa conversa com você, leitor. Agradeço muito por me ouvir, por rir de mim, ou por me achar idiota (ou um gênio). Sou, como você sabe, alguém como você (como José Serra, como sua mãe, como seu pai, como Luigi, como Filipe, como Paulo, como sua prima,…): preocupado e algo bem-humorado.
A caminhada de 2024 talvez esteja predestinada a ser uma das mais difíceis. Este autor pode cair? Pode. Só que, em seu lugar, mais dez Cláudios surgirão com renovada disposição para defender o forte, expulsar os bandidos e levá-los até à forca (ou morrerem tentando). Não se engane. Aqui não é newsletter de ninguém. É a minha e, claro, quem manda aqui sou eu. Que venha 2024!
Ma che speranza! (mensagem de Juó Bananére para você)
Que seja um ano melhor para você e para os que você ama (e também para os que você não ama). Caso tudo corra conforme os planos, voltamos na quarta edição, já no início de 2024. Até lá!
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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