O epidemiologista político, a liberdade econômica nos estados brasileiros, dica de econometria em R e outros temas.
Cuidado com os charlatães e os que falam sinceramente...sobre o que não sabem.
Eis o v(1), n(63) da newsletter, saindo quentinho do forno. Nesta, minha preocupação com uma distorção (não tão inevitável assim) que percebo em alguns debates sobre saúde pública. Depois, um breve comentário sobre a liberdade econômica no Brasil. Finalizo com o retorno a um tema que tenho ignorado por aqui, mas que pode interessar a boa parte dos meus atuais (e futuros) assinantes: dicas de econometria em R.
Servido?
O epidemiologista político - Há quem diga temer que um militar entre na política, ao mesmo tempo em que dá risada dos blindados velhos desfilando em Brasília. É, concordo que é inegável o poder de um revólver em me dissuadir de alguma ação. Mas eu vejo uma outra classe perigosa neste momento, a do epidemiologista político.
O epidemiologista político também tem poder sobre você, mas não por causa de um revólver. É que o medo da morte é o mesmo, seja por causa de um revólver ou pela incerteza relativa a novas epidemias.
Assim, o nosso epidemiologista político, por exemplo, pode tentar misturar ideologia com epidemiologia para tirar de você alguns remédios (ou vacinas). Ou pode te impor tratamentos que não façam sentido epidemiológico, embora político (no sentido dos interesses políticos dele).
Este tipo nem precisa, necessariamente, ser epidemiologista de origem. Pode ser um economista com pretensões de epidemiologista. Ou um sociólogo. Ou um profissional de outra área da saúde. Ou mesmo um aposentado. Não importa. O que importa é que ele quer ter o monopólio sobre as decisões que concernem à sua saúde.
Este interesse, claro, pode esconder diversas motivações. Há o fanatismo ideológico, o interesse financeiro ou, claro, a loucura pura e simples. Não é, pois, fácil distinguir o epidemiologista do epidemiologista político já que uma pessoa pode passar a apresentar este comportamento em momento ou qualquer da vida.
Um exemplo da motivação ideológica são os laranjais do lago Balaton, na Hungria (há um livro, de Maurice Duverger, traduzido pela Editora UnB). O lago Balaton congela no inverno (como sabem burgueses e proletários).
Contudo, nos tempos da Cortina de Ferro, um alucinado cientista afirmou que a dialética marxista seria aplicável, inclusive, às árvores, ganhando as graças do governo comunista. O experimento? Plantar laranjais e esperar que crescessem no inverno.
Claro que não deu certo. Consequência: iniciou-se uma perseguição (com torturas e prisões habituais) para se encontrar os ‘espiões ocidentais’ que teriam sabotado os valorosos camaradas laranjais…
Agora, nem sempre a ideologia é a motivação maior do epidemiologista político. Há aquele que que deseja ganhar rendas futuras (no setor privado ou público) sinalizando para um público diverso nas redes sociais. Com medo de perder visualizações, assume posturas agressivas, arrogantes, insinuando (ou dizendo explicitamente) que os discordantes são o próprio demônio encarnado.
É, é difícil saber o que está ocorrendo nas redes sociais, o que não significa que você deva baixar a guarda e aceitar tudo que lhe digam acriticamente. Também não significa que você deva enxergar más intenções em tudo. Um meio de se manter são é ter postura de investigador e tentar separar o joio do trigo.
A realidade, como epidemiologistas sérios sabem, não é tão simples. Tome-se o caso das vacinas. Alguns falam da importância das externalidades neste caso. Ok, eu gosto do argumento das externalidades. Mas estas não se limitam a outras pessoas. Seus diversos ‘eus’ intertemporais podem sofrer com efeitos oriundos do presente.
Há, por exemplo, quem tenha doenças que potencialmente reagem mal com as vacinas. Há também quem reclame uma - por enquanto insanável - assimetria informacional quanto ao impacto da vacina na gravidez pretendida.
Seja pela informação precisa (sem assimetria) de que a vacina se combine com a doença matando o sujeito ou pela assimetria informacional quanto ao efeito da vacina no processo de uma gravidez, o fato é que o futuro de um indivíduo sofre alteração diante da decisão de se vacinar. Nada há de ‘novo normal’ nisto.
Diante disto, causa-me certo desconforto que alguns apressadamente batam palmas para quem defenda a demissão de quem não se vacina. Há motivos tolos para não se vacinar, claro. Mas não é disto que se trata.
Você pode dizer que é difícil separar o joio do trigo e que, então, o melhor seria demitir todos os que não se submetam à vacina, numa solução análoga às punições de torcidas no futebol.
Bem, mesmo no futebol, naqueles casos de manifestações racistas, busca-se, primeiramente, o responsável pelas ofensas. Somente quando não se o identifica é que torcidas são banidas dos estádios. Até no bagunçado mundo do futebol brasileiro, busca-se, primeiro, a discussão do caso particular para, então, partir para a - não menos polêmica - decisão de banir a todos.
O que eu quero dizer é que generalizar não é uma boa ideia. Nem toda simplificação ajuda numa discussão de políticas públicas. Há de se ter cautela e se manter a mente arejada, por mais difícil que seja.
O epidemiologista político, sobre o qual eu falava, não se importa muito com estas, digamos assim, complexidades do mundo ordinário. Para ele, o mais importante é olhar a pesquisa de opinião, ver para onde sopram os ventos (que lhe darão mais likes) e sinalizar virtudes para suas tribos. Afinal, boletos precisam ser pagos.
E não apenas os dele. Os seus também, embora ele possa, caso tenha algum poder, dizer que você deva ser demitido por não ter se vacinado.
Eu gostaria mesmo de terminar em um tom mais otimista, mas não posso negar a confusão nos debates que observo. Claro, há também meu famoso e eterno mau humor com ‘tudo-isto-que-está-aí’.
A boa notícia é que, para a sorte do leitor, eu não tenho poderes para obrigá-los a comerem coxinhas e quindins diariamente. Não sou um epidemiologista político e não gostaria de ajudar no pagamento dos boletos de uma criatura destas.
p.s. É incrível como há não-epidemiologistas e epidemiologistas que trazem boas informações (esta foi a minha curadoria…acho que não entendo muito de epidemiologia, mas…). Cito alguns deles (nem todos com newsletters) a seguir: (1) Noah Smith, (2) Scott Alexander e (3) Emily Oster, (4) Eric Topol. Certamente há outros por aí, mas estes três têm publicado informações de ótima qualidade sobre a pandemia.
p.s.again. O Eli Vieira Jr, que também é uma referência no tema da disseminação científica, até me sugeriu que o nome fosse Político Epidemiologista (ele tem razão, mas eu prefiro a ironia com Economista Político. Penso que cada um pode registrar o termo no escritório de patentes).
Liberdade Econômica nos Estados Brasileiros, edição 2021 - Já comentei sobre o Índice Mackenzie de Liberdade Econômica Estadual (IMLEE) aqui. Segue sendo um incrível indicador para se trabalhar. Principalmente para quem gosta do tema da liberdade econômica.
O que é o IMLEE? Diz o informe, referindo-se ao índice de 2021 que, para os que não sabem, usa sempre dados defasados em dois anos.
Logo, o IMLEE de 2021 reflete a realidade de 2019 e, neste sentido, a má notícia é que o país piorou em termos da liberdade econômica estadual. Aliás, o Brasil também recuou no comparativo dos países. O ranking deste ano teve RJ, ES, PA, MG e RS nas cinco primeiras colocações. Os cinco últimos foram RO, MT, PI, TO e SE. Para chatear os amigos paulistas, SP ficou na 12a posição.
Em relação ao IMLEE de 2020, que comentei no v(1) n(20) desta newsletter , é destaque a queda de Roraima que não teve bom desempenho principalmente nas dimensões 1 e 3 do índice, respectivamente, Gasto dos governos subnacionais por unidade da federação e Regulamentação e liberdade nos mercados de trabalho das unidades da federação.
A propósito, nesta semana saiu também a versão norte-americana do índice, sob os auspícios do Cato Institute. Os cinco estados mais livres, economicamente, por lá são: Florida, Tennessee, New Hampshire, South Dakota e Idaho. As cinco últimas colocações ficam com: New Jersey, Oregon, California, Hawaii e, o último dos últimos, New York.
Alguém poderá perguntar: e o Texas? O Texas, meus caros, é o décimo. Não é porque você carrega uma arma na rua que o seu estado é, necessariamente o mais livre economicamente. Aliás, eu não fiz (mas alguém pode fazer, é só coletar os dados) a correlação entre ocorrências daqueles eventos em que um maluco sai matando gente e a liberdade econômica. O resultado…
…é que correlação não é causalidade. Não necessariamente. Então, nem adianta tentar me convencer do contrário. Dito isto, um pessoal andou estudando os mass shootings na pandemia (eis uma dica de base de dados). Outro site mostra (se não me enganei…ahá, agora vá lá conferir) que provavelmente não há sequer correlação entre liberdade econômica e mass shootings.
O mapa da liberdade econômica estadual acima dá uma ideia de como estamos em 2021. Como o pessoal do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica frisa sempre, a despeito dos melhores resultados nos estados mais ‘azuis’, o país, como um todo, é, ainda, pouco economicamente livre, como eu já disse no início deste nosso tópico.
Sugiro aos amigos que gostam da temática que examinem os dados. Ainda acho que muito do que temos de problemas no Brasil se deve à baixa abertura econômica (inclusive para receber imigrantes).
Sim, falo sem citar estudos desta vez. Mas o leitor poderá encontrar bons artigos científicos a favor dos meus argumentos desleixadamente expostos.
Miniconto do aplicativo de votos - Fiz um esboço ou, se quiserem, um miniconto.
Econometria de Séries de Tempo em R - Olha aí uma dica para alguns possíveis assinantes que gostam do tema (eu gosto) da econometria de séries de tempo. Este link tem um exemplo bem completo (um exemplo clássico, até) de estimação com vetores autoregressivos e testes de cointegração.
Claro, se você quiser algo mais avançado como o procedimento de Toda-Yamamoto, o blog do aposentado prof. Ted Giles ainda é uma ótima referência (muitos dos exemplos dele são para o Eviews, mas quem se importa?
Omicron - Brad DeLong traz algumas novidades.
Pedido de desculpas - Por uma viagem que fiz, não durmo há muitas horas. Assim, tentei revisar o texto deste número com esmero, mas sei que posso ter deixado passar algo. Peço desculpas por isto. É que não consigo não ser pontual. É um defeito que de vez em quando eu não manifesto.
Antes que me esqueça, sigo na minha luta para que #juobananerepresidente seja uma ‘#’ em alta no Twitter. Esforço inglório? Sou quixotesco. Não me subestimem.
Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico duas vezes por semana, geralmente às quartas e sábados. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00 + valor do seu tempo para apertar o botão subscribe com seu endereço de e-mail lá…) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.