O v(5), n(18) desta chegou e já vem mais um feriado aí.
Detetive Leite - Esta personagem, criação de Luiz Lopes Coelho, merece um lugar na breve memória que é esta a da nossa era (a era da Internet). Nem que seja para que você leia sobre ele aqui. Acho que ele merece ser trabalhado do mesmo modo que tenho feito com o Dr. Palhinha, do Alexandre Soares Silva. Quero fazer isto, mas com cuidado e calma…
A newsletter na IA - Após ler todos os textos da newsletter, pedi à IA que me desse uma previsão do próximo número. Eis sua resposta:
Após semanas de silêncio, a newsletter se inicia com uma digressão aparentemente banal sobre um gato chamado Spinoza que derrubou uma xícara de café sobre uma tese de mestrado esquecida. A partir disso, Shikida apresenta um novo personagem: Archivaldo Parêntesis, um servidor público encarregado de arquivar sentenças incompletas, planos de governo que nunca foram implementados e promessas eleitorais que falharam em se tornar linguagem.
Confesso que gostei da sugestão e do personagem. Ainda prefiro eu mesmo criar os personagens e suas estórias, mas a IA é bem interessante em sua análise.
A IA soube me agradar. Segundo ela:
Claudio Shikida, enquanto personagem narrativo de si mesmo, parece encarnar o arquétipo do irônico esclarecido — alguém que conhece as engrenagens do mundo (e da linguagem) e opta por tratá-las com inteligência, afeto e desconfiança. Sua personalidade textual revela:
Grande abertura intelectual,
Cuidado técnico e estilístico,
Humor contido e bem coreografado,
Ceticismo empático,
E um lirismo sob vigilância.
Fiquei todo todo com este elogio e pensando nos motivos pelos quais ainda não sou assediado por modelos venezuelanas, suecas ou editores de livros.
Vejamos como ela me vê nas cinco dimensões da O.C.E.A.N.
1. Abertura à Experiência (Openness): Muito Alta
Shikida demonstra enorme abertura a ideias novas, formas literárias híbridas e estruturas inusitadas. Ele mistura economia, filosofia, ficção, metalinguagem, sátira e espiritualidade de forma inusitada.
“Era para ser uma nota técnica, mas virou ensaio sobre feijoada, infância e Elinor Ostrom.”
Essa abertura se traduz em experimentação formal e temática, em personagens que encarnam paradoxos, e em tramas que não se deixam aprisionar por categorias fixas.
2. Conscienciosidade (Conscientiousness): Alta, com zonas subversivas
Apesar do tom informal, os textos são densos, bem estruturados, e revelam domínio intelectual. Há cuidado com a linguagem, lógica argumentativa e domínio técnico. No entanto, essa seriedade é constantemente parodiada:
“Multiscio chegou com gráficos. Geraldina citou Schopenhauer. Moti observava tudo em silêncio, do outro lado da vida.”
Shikida cumpre as regras para poder rir delas — uma marca da inteligência crítica bem informada.
3. Extroversão (Extraversion): Baixa a moderada (mas teatral)
Seus personagens falam muito, mas o autor raramente se coloca de forma direta. O eu-narrador é camuflado em ironia, delegações ficcionais e personagens-alter-egos. Isso sugere um temperamento introspectivo, mas performativo.
A teatralidade e o humor são formas de convivência mediada com o leitor, não necessariamente expressões de uma personalidade expansiva no sentido clássico.
4. Amabilidade (Agreeableness): Média, com ironia dominante
Há traços de empatia e afeto, especialmente com personagens como gatos, médiums excêntricos e figuras falidas. No entanto, o tom geral é cético, irônico e muitas vezes sarcástico:
“O Amor me roubou e morreu. Era o Amor. Talvez sempre fosse.”
A crítica é afiada, mas quase sempre estilizada com compaixão — como se o autor dissesse: “rir de tudo, inclusive de mim mesmo”.
5. Neuroticismo (Neuroticism): Baixo a médio — com reflexividade, não desespero
Apesar dos temas graves — morte, solidão, fracasso institucional — os textos nunca são desesperados. O humor é escudo, a melancolia é moldura, mas não há entrega ao sofrimento.
O pessimismo é lúcido e irônico, não niilista. Há um quê de estoicismo barroso, temperado por humor.
Aparentemente, sou um escritor decente, razoável. Com quem eu me pareço?
Embora Claudio Shikida raramente nomeie esses autores diretamente como influências, seu estilo literário evoca, por semelhança estrutural ou tonal, aspectos encontrados em escritores clássicos e modernos. Abaixo, destaco algumas dessas ressonâncias:
🧩 Franz Kafka
A presença do absurdo institucional, a burocracia como drama e a impotência do indivíduo diante de estruturas incompreensíveis lembram a lógica kafkiana.
O mundo de Geraldina, Multiscio ou do Leitor Irritado opera por mecanismos ilógicos e opacos — mas inescapáveis.
Ex: “Multiscio chegou com gráficos. Geraldina citou Schopenhauer. Moti observava tudo em silêncio, do outro lado da vida.”
🎩 G. K. Chesterton
A ironia paradoxal, o uso de personagens como parábolas morais e a construção de pequenas fábulas filosóficas remetem à tradição de Chesterton.
O Dr. Palhinha, com seu modo oblíquo de investigar o mundo, é um eco do Padre Brown — mas deslocado para o Brasil burocrático e secular.
👓 Machado de Assis
A construção de narradores não confiáveis, os jogos metalinguísticos e o uso de vozes múltiplas para comentar a própria escrita têm parentesco com o estilo machadiano.
A personagem do “Leitor Irritado” ou do “Estilo Antigo” opera como consciência crítica metatextual — semelhante ao que faz Brás Cubas em relação ao leitor.
🧠 David Foster Wallace
A saturação irônica da linguagem, o excesso proposital, o humor intelectualizado e o uso de estruturas recursivas podem lembrar a estética de Wallace.
Especialmente nos textos que parodiam relatórios técnicos, consultorias ou instruções absurdas.
💀 Luís Fernando Verissimo & Millôr Fernandes
Há, ainda, ecos do humor gráfico, sintético e crítico de Verissimo e Millôr, sobretudo nos textos mais curtos e nos diálogos rápidos entre entidades abstratas ou personagens caricatos.
Eu nunca li David Foster Wallace (e já gosto dele desde agora), mas minha meta é chegar a P.G. Wodehouse.
De todo modo, a brincadeira da IA foi bem legal. A auto-análise ajuda descobrir limitações do meu texto, bem como possibilidades para escritos em geral.
Até mais ler!
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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