Decálogo do Perfeito Autor de um Relatório de Pesquisa em Economia (e mais uns pitacos).
Eu e meus momentos de guia espiritual (ou material) de jovens pesquisadores
Eis o v(1) n(57) na porta da sua casa! Começo com um Decálogo que não é lá muito original. Outros temas? Neste número são mais ligados à Ciência Econômica.
Para o infinito e além!
Decálogo do Perfeito Autor de um Relatório de Pesquisa em Economia - Inspirado no Decálogo do Perfeito Contista de Horácio Quiroga (dê um google, ok?), elaborei uma adaptação. Tomara que sirva a algum aluno que não apenas é aluno, mas também estudante, logo, estuda.
Por questões sentimentais, falaremos apenas dos que pesquisam em Economia.
DECÁLOGO DO PERFEITO AUTOR DE UM RELATÓRIO DE PESQIUSA EM ECONOMIA
Por Claudio D. Shikida
I - Creia em um mestre - qualquer um que seja excelente em explicar para você o mesmo fenômeno econômico em palavras, gráficos e por meio de equações - como em Deus, mesmo que discorde de um ou outro aspecto de sua palavra divina.
Comentário - O que não se diz aí é que você deva ser um fanático devoto de um ‘patrono’ que escolheu. O ponto é: digamos que você já teve aula com Affonso C. Pastore e você acha que ele consegue te explicar direitinho um fenômeno econômico, seja em palavras, por meio de gráficos ou por modelos algébricos. Ou mesmo pelas combinações destes elementos. Siga-o como exemplo. Tente imitá-lo em sua excelência como pesquisador, mesmo que não torça pelo mesmo time de futebol dele.
II - Creia que a versão final ideal do seu trabalho é uma montanha inacessível. Não sonhe dominá-la. Quando isso for possível, você saberá. Um bom trabalho científico nunca será realmente bom sem que se tenha uma meta imaginária elevada.
Comentário - É um ensinamento antigo e universal este de que você deve sempre almejar o inatingível porque, assim, conseguirá o seu melhor. É como o dito popular: ‘o ótimo é inimigo do bom’, mas reescrito como: ‘mire no ótimo com vontade que você atingirá o seu melhor (o tal ‘bom’)’. Artigos científicos nem sempre saem prontinhos na primeira versão. O processo de tentativa-e-erro é constante aqui.
III - Resista o quanto for possível à imitação, mas imite se a demanda for muito forte. Lembre-se que, com uma extensa revisão de literatura e com a prática da escrita, o que é imitação diminui e seu estilo pessoal e intransferível surge. Mais que qualquer outra coisa, o desenvolvimento da personalidade exige muita paciência.
Comentário - Eu tentei adaptar este item para a pesquisa. Pensei no jovem pesquisador, aquele que começou a rascunhar um artigo e que tem baixa carga de leitura (somos um país de gente que lê pouco, infelizmente). Muito bem, a redação deste jovem será, inicialmente, muito parecida com a dos textos que aprecia. Imitar é parte do processo de se atingir a originalidade e a espontaneidade. Então, claro, comece imitando, mas amplie sua carga de leitura. Assim, em breve, você terá seu próprio estilo e, por exemplo, correrá muito menos riscos de cometer plágio.
IV - Tenha fé cega não na sua capacidade para o triunfo, mas no ardor com que você deseja esse triunfo. Ame a sua pesquisa como à sua mulher, dando-lhe seu coração.
Comentário - É, parece frase de para-choque de caminhão, mas é verdade. Toda árdua tarefa torna-se menos árdua se você a abraça com honestidade. Ao começar, digamos, seu curso de graduação em Economia, você provavelmente só tem uma vaga ideia do que o espera. Como perseverar sabendo que serão tempos de estudos e provas? Geralmente você se olha no espelho e diz: ‘- Cara, eu vou amar isso, mesmo que eu não saiba o que vem pela frente’. É a interiorização disso que, por exemplo, gera relacionamentos duradouros (no casamento ou com o tema de uma pesquisa).
V - Não comece a escrever sem saber aonde ir. Em um relatório bem-feito, as três primeiras linhas têm quase a mesma importância das três últimas.
Comentário - Um relatório de pesquisa bem redigido é como uma obra de arte. Exceto por algumas pessoas com aptidão inata para a redação científica (não conheço nenhum), todos nós, mortais, aprendemos a escrever bem. Um bom parágrafo tem que ter uma boa estrutura interna, ou não resiste à crítica. Iniciá-lo bem é um convite ao leitor tanto quanto terminá-lo bem. Eu diria que mesmo economistas que já receberam o Prêmio Nobel nem sempre conseguem escrever tão bem. Há alguns bons artigos, bem escritos. Um exemplo disto, para mim, é este artigo. Os artigos de Fernando Holanda Barbosa em Ensaios sobre Inflação e Indexação, de 1987, editado pela FGV também são bons exemplos. Agora, se seu objetivo são jornais e livros, vale desenvolver um estilo adicional e, aqui, Gustavo Franco é uma ótima referência.
VI - Se quiser expressar com exatidão esse fato: - "A escassez é um problema de todo indivíduo” -, não há na linguagem humana, palavras mais precisas que essas. Seja dono de suas palavras, sem se preocupar com suas dissonâncias.
Comentário - Este comentário é parecido com o anterior e com o próximo. Trata-se do estilo ao se escrever uma frase. Em redação científica, por exemplo, isto é muito importante. Frases devem ser claras e, na medida do possível, sucintas. Duilio de Avila Berni ensinava isso muito bem em um capítulo do - lamentavelmente não reeditado - ‘Técnicas de Pesquisa em Economia’, da Saraiva, 2002.
VII - Não adjetive sem necessidade. Inúteis serão as camadas de cor adicionadas a um substantivo fraco. Se você fizer o que for preciso, ele terá, por si só, um colorido incomparável. Mas você terá de ir buscar esse colorido.
Comentário - Ah sim, os famosos adjetivos. Claro que, para fins literários, pode ser útil, em algumas ocasiões, falar dos ‘excelentes trabalhos’ de fulano. Mas a pesquisa científica tem, ao menos em tese, a presunção de ser uma investigação sobre um fato da realidade. Digo ‘ao menos’ porque, na prática, muito trabalho de conclusão de curso (o nome moderno de ‘monografia’) não espelha outra preocupação de seu autor que não a de ser aprovado na disciplina. Mesmo que seja esta sua preocupação, use os adjetivos com moderação. Digamos que você cite um trabalho de seu orientador em seu relatório. Faça-o com sobriedade, sem esta bajulação que muitos pensam ser um atrator de boas notas. Adjetivar é algo que se guarda para ocasiões outras.
VIII - Pegue seus argumentos pela mão e conduza-os firmemente até o final, sem deixar que nada o desvie do caminho traçado, usando os melhores modelos teóricos e testes empíricos existentes. Não abuse do leitor. Um relatório de pesquisa é um trabalho de uma disciplina depurado de resíduos. Tenha isso como verdade absoluta, mesmo que não seja.
Comentário - Um bom relatório científico em Economia tem sempre uma pergunta de pesquisa bem definida, seguida de uma revisão do tema que indica o modelo teórico que melhor se adequa a este problema e de um teste desta pergunta (que chamamos, geralmente, de hipótese). É preciso não só ter a excelência adequada para percorrer este caminho tortuoso com sucesso pois sem a compreensão do leitor, todo seu esforço será em vão.
IX - Não escreva sob emoção. Deixe-a morrer, e depois a evoque. Se você for capaz de revivê-la, terá alcançado a metade do caminho.
Comentário - Alguns jovens pesquisadores se deixam levar pela emoção ao iniciar seu primeiro relatório. Quem poderia condená-los, não? Mas é preciso seguir aquela regra antiga: após terminar uma versão de seu texto que repute satisfatória, guarde-a por uns dias e volte a ela depois com calma. O período de repouso traz sempre uma moderação desejada a um bom pesquisador. A retomada da leitura sempre vem com um ‘Não acredito que eu escrevi esta porcaria’. Pense nisto ao planejar seu tempo para o relatório.
X - Ao escrever, não pense em seus amigos, nem nas reações deles ao seu relatório. Pense como se ele só interessasse aos componentes de sua teoria e de seus testes, e você fosse um deles. Não se dá vida a um relatório a não ser dessa maneira.
Comentário - Mais do que na literatura, talvez, a pesquisa não foi feita para agradar aos seus pais ou namorado(a). A pesquisa serve para mostrar a você mesmo o quanto você conseguiu aprender, bem como os limites do seu conhecimento, em teoria e técnicas para testar uma hipótese. Os dados poderão te dar um resultado contraintuitivo e isso não é um problema se você entende os limites de seus arcabouços teórico e empírico. Tenha em mente de que o importante é ser mestre na técnica de se escrever um relatório científico, não forçar os dados (torturá-los) para que digam o que você deseja.
Por que este decálogo? Bem, em um dos episódios do Fiboca, mencionaram este decálogo e, não resisti: comprei o livro. Ainda não li os contos, mas o decálogo, como você deve ter notado pela minha adaptação muito sem-vergonha, é meio que universal.
Ah sim, apresento o decálogo neste vídeo.
Agora, dicas para monografias? Minha mais famosa é esta. Já adaptei também os preceitos do Musashi Miyamoto (ver abaixo) ao tema dos relatórios científicos.
Ótimo de Pareto em Cecília Meireles - O dia em que usei Cecília Meireles para explicar o conceito de ótimo de Pareto.
Pesquisas científicas - Ainda na temática da pesquisa científica, não apenas as de Economia, Maxwell Tabarrok escreveu um ótimo ensaio. Eis um trecho.
Most people never invent anything new. A tiny proportion of the population of individuals and organizations produce the vast majority of new inventions and discoveries. Even among scientists, impactful work is power-law distributed. This implies that increasing the production of impactful scientific discovery and technological progress means selecting a group of highly productive individuals and organizations to fund, not funding an industry of incremental discoveries like the NIH and not funding specific inventions like patents. Organizations like Fast Grants, Emergent Ventures, and Y-Combinator have found success with this model, but their scope is small compared to the desired economy wide effect of government supported science. They also rely heavily on tacit knowledge and unilateral decision making from their founders which cannot be easily scaled into an institution.
Muitos de nós gostariam de se verem como indivíduos altamente produtivos, o que, infelizmente, não é verdade. Por isto não é tão fácil discutir financiamento a pesquisas, nem aqui, nem no resto do mundo. Mas se há algo que a pandemia nos mostrou é que é possível ter meios inovadores de geração de pesquisas.
Outro trecho muito bom do ensaio acima é este.
Once an idea is discovered, it can be spread to every mind without requiring anything to be taken from the originator. Physical goods are divided among people, but ideas are multiplied. This property of ideas implies that we are losing out whenever ideas are not maximally spread. Since the marginal cost of producing new copies of an idea is basically zero, if there is anything to be gained from spreading an idea, it should be done.
Ideias, meus caros, são o que Julian Simon chamava de nosso último recurso.
Constituições mais longas e corrupção - Interessante investigação - com resultados mistos - sobre se constituições mais longas levam a maiores níveis de corrupção nos países.
Cliometria e nomes na Grécia - Um interessante artigo fundamentando, teoricamente, a escolha de nomes na Grécia antiga teria relação com o barateamento na transmissão de informações. Eis o resumo.
In ancient Greece, people carried a single name, and some names were quite common, while others were very rare. If these names were used to distinguish people, why didn’t everybody have a different name? Looking into the manner in which the ancient Greeks picked names, we develop an economic model for the existence of names, as a way of exchanging identification information. Considering different information frameworks, we justify the exchange of names in this context as the best system in order to promote cooperation. We then study the optimal choice of names in these conditions and show that the impact of strategic naming on the distribution of names works as an alteration of existing mean-field approaches to name dynamics, which converge to power laws. Strategic naming adds a degree of freedom in the relationship between the observed number of names and the shape of the power law distribution. Confronting these results to empirical data from the archaic and classical periods, we observe that a form of conformist strategic naming could account for the particular shape of the name distribution in Ancient Greece, which differs from contemporary data.
Para quem não conhece, Cliometria é o nome que se dá, grosso modo, à agenda de pesquisa que sabe que uma boa compreensão da história não pode se dar sem dados. Não, não é só isso. Melhor dizendo: não pode se dar sem o uso de métodos estatísticos (econometria e afins).
Celebridades - Ted Gioia me trouxe uma informação nova: ‘celebridade’ é algo que surgiu com a música clássica.
(…) my understanding of Mozart and Haydn has been tremendously enriched by scholar Antoine Lilti, who teaches modern history at the École Normale Supérieure, and has shown that our concept of celebrity emerged at the same time that the composer who launched the classical style became famous—thus providing an invaluable framework for grasping how our notions of concert music were transformed permanently during this era.
Haydn e Mozart, pois é…
Dostoevsky - Belo texto do Coutinho (via Tambosi) sobre os insights do autor russo e o radicalismo wokista.
Tesouro Nacional está seguro - Ou não? Para mim, parece que estou diante deste cofre.
Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico duas vezes por semana, geralmente às quartas e sábados. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.