Corte de cabelo e um passeio pela rua Grão Mogol - A leitura - Oferta e demanda - Ciência - Irracionalidade Racional.
"Nem tudo o que é lícito é honesto"
Chegou o v(3), n(11) da newsletter e vamos logo aos assuntos que hoje é sábado e eu quero relaxar!
Corte de cabelo e um passeio pela rua Grão Mogol - Meu barbeiro, já especializado no meu cabelo rebelde, mudou-se para uma barbearia no Sion, aqui em Belo Horizonte. Fui até lá, pois fevereiro já está aí e o trabalho tarda, mas não falha.
Foi uma oportunidade de rever não exatamente o bairro em que vivi por dois anos, na infância, mas sim, a rua Grão Mogol, pelo menos o trecho que vai da avenida Uruguai até a avenida do Contorno. Aliás, uma rápida busca na Internet mostrou-me que Minas tem também uma cidade, em sua parte norte, de mesmo nome (e o gentílico é ‘grão-mogolense’…e já adianto que nunca conheci nenhum).
Mais ainda, uma pesquisa na Wikipedia em língua portuguesa retorna um verbete - escrito em um português ruim (uma revisão não faria mal) - sobre o tal primeiro e único Barão de Grão-Mogol. Eu achava que mogol seria alguma corruptela de mogul (do inglês), mas a internet me informa que é sinônimo de mongol, por conta de um descendente de Gengis-Khan que teria criado um império ‘mogol’ na Índia (1526-1857). Assim, ‘mogol’ é o mesmo que os anglo-saxões chamam de ‘mughal’. (off topic: o selo imperial do império mogol, aliás, lembra muito o crisântemo imperial japonês).
Eu falava da rua e fui parar na Índia. Olha que eu nem andei tanto assim.
Piadas (ruins) à parte, a rua Grão Mogol, ao longo do tempo, como qualquer rua, perdeu algumas casas, ganhou edifícios e o comércio, bem, o comércio está sempre por perto. Há lá uma paróquia, a de Nossa Senhora do Carmo (o bairro, ali, não é o Sion, mas o Carmo…há quem fale em Carmo-Sion). O site da igreja me conta que:
Eu me pergunto se haveria uma igreja, na cidade que fosse a única com 38 ou 36 sinos, mas isto iria me dar muito trabalho. Sigamos com o passeio.
Um pouco mais para baixo, em direção ao bairro Savassi, temos uma filial ligada a outra religião (pagã?), a da cerveja. Trata-se do Pinguim, famosa cervejaria de Ribeirão Preto. Há (ou havia) outra filial, não muito longe dali, mas faz tempo que não tomo cerveja (no Pinguim) e, como não estava no caminho, não posso confirmar que ainda exista.
Avançando, chegamos à papelaria Kalunga, que, hoje, está cercada por um peculiar comércio informal. Dois moradores de rua (não sei se moram na rua ou ‘moram de rua’, nem se estão em uma exótica ‘situação’ de rua…não estou escrevendo um relatório científico, ok?) dividem a calçada da loja, um com um ‘sebo’ (sim, ele tem um pequeno acervo de livros usados), o outro com umas telas pintadas por ele mesmo. Pelo que notei, já estão bem entrosados com os moradores das redondezas.
Noto que, ao contrário de muitas calçadas de Belo Horizonte, a da Grão Mogol é até razoavelmente amigável ao pedestre. Sim, porque se há uma cidade que não parece gostar dos pedestres, esta é Belo Horizonte. Talvez não sejam em todos os bairros, mas é algo que noto. Tem problemas para caminhar? Então não conte com a minha cidade…
Ah sim, sobre o corte de cabelo: o mesmo de sempre. Mês que vem volto lá e talvez faça um passeio pela avenida Uruguai. Ou seguirei no sentido oposto da Grão Mogol para rever meu antigo colégio e o prédio onde morei.
A Leitura - Alexandre Soares Silva, em sua coluna na Crusoé, chama a atenção para um ponto que, confesso, sempre me passou batido: o preconceito que boa parte de nossa elite leitora tem contra quem quer apenas ler livros, independentemente de sua ‘qualidade’ (quem, aliás, pode definir os padrões da ‘qualidade’?).
Realmente, como ele diz, até parece que o brasileiro lê demais. Na verdade, o problema é que lê bem pouco e, cá entre nós, ninguém aprende a ler desde criança apenas se o livro for Os Lusíadas. Começamos como?
Bem, sobre isto, o motorista de aplicativo com o qual conversei ontem, também me chamou a atenção para um mérito da tecnologia: o incentivo à leitura no início da leitura. Seu argumento é de que, com a digitalização de serviços, todo mundo é obrigado a ler em um celular (ou em outro aparelho qualquer). Seja um boleto, um agendamento, um documento, enfim, tudo passa pela leitura. Afinal, de que adianta ter um celular se você não sabe ler?
Eu sei que há 10 anos, você e eu iríamos rir da última frase. Afinal, celular é telefone e telefone é para falar e ouvir, né? Contudo, a tecnologia mudou tudo e, hoje, boa parte do tempo que passamos olhando para o celular (isto mesmo: olhando) é porque lemos alguma mensagem ou mesmo um livro.
É verdade que muita gente escreve errado (quem nunca?), mas, o motorista tem razão: melhor alguém que lê algo do que alguém que não lê. Olha que nem acho que a leitura no celular é a melhor forma de se estudar, por exemplo (e há literatura especializada que me dá sustentação nisto).
Alexandre tem razão: deixa o povo ler o que quiser. O motorista também tem razão: lendo e escrevendo, ainda que incorretamente, estão se aperfeiçoando e, reforço, não só para o mercado de trabalho.
Ler é melhor do que não ler.
Oferta e demanda - Na Crusoé (outra coluna só para assinantes), Josias Teófilo discute a questão da música popular em contraponto à música clássica. Não entendo muito de música, mas eis uma informação valiosa do artigo: no Brasil, ingressos para shows de música popular são muito mais caros do que os para apresentações de orquestras.
Isto nos diz muito sobre a oferta e a demanda em cada estilo. Realmente, ele tem uma certa razão ao dizer que, sob este prisma, a música popular é que é a ‘das elites’. Pensando em ‘elite’ como sinônimo de riqueza e considerando correta sua informação sobre o diferencial de preços, então, sim, a música popular é a que mais agrada às elites brasileiras.
De minha experiência individual, aliás, eu diria que é isto mesmo. Já lecionei para alunos da elite econômica e notei como a grande maioria tem bom conhecimento de vasto repertório em música popular brasileira (ou rock, etc.), ao mesmo tempo em que conhece só umas poucas peças de música clássica.
Há outra questão - que desconheço em detalhes - que diz respeito aos subsídios governamentais. Não sei o quanto orquestras ganham em subsídios, relativamente a músicos populares. Entretanto, enquanto não vejo um único artista pedir dinheiro para si, não faltam orquestras (sinfônicas ou filarmônicas, municipais ou estaduais, etc.) com programas de assinatura para, dizem eles, poderem se manter.
Josias pode ter mesmo razão…
Ciência - O pessoal adora falar de ciência como se a única coisa dela fossem os indícios (evidences) que os estudos buscam. Entretanto, como se buscam indícios? Indícios do quê, exatamente?
Aí entra a tal ‘teoria’ ou ‘hipótese(s) de pesquisa’. Neste aspecto, Robin Hanson (ver tuíte a seguir) está pessimista.
Quando discutimos charter cities, em 2021-2022, eu e meus coautores, muita gente torcia o nariz. Não entendiam que algumas teorias, por serem novas, não são necessariamente sinônimos de picaretagem (o terraplanismo, aliás, não é nada novo…nem a hipótese da terra oca, ou mesmo a homeopatia).
Claro que o ceticismo é importantíssimo em ciência, mas, ao contrário do que uns malucos (e uns mal-intencionados) andaram dizendo nos dois anos da pandemia, ciência não é um oráculo que possui respostas prontas e definitivas para qualquer questão (exclusive as relativas à espiritualidade…estas devem ser direcionadas aos amigos religiosos).
A ciência, é até clichê dizer isto, só nos dá respostas temporárias e nem sempre definitivas. É muito mais frágil do que parece, tem muitos problemas e, bem, é o que temos. Só não inflacionem as expectativas, ok?
Irracionalidade Racional (claro!) - Quando alguém diz que a autonomia do Banco Central é péssima e que, ao mesmo tempo, a autonomia universitária é maravilhosa, sem sequer se dar ao luxo (não é bem um luxo, mas…) de olhar os indícios (evidences), então temos aí mais uma evidência a favor do modelo de irracionalidade racional e de suas consequências em termos de economia comportamental (cansei o assinante com o tema, não cansei?).
‘Talvez uma noção básica de como funcionam as políticas fiscal e monetária em um país qualquer ajudem a entender o problema’, o leitor dirá. Não com a irracionalidade racional. Como vimos anteriormente, neste caso, nem a mais pura e didática explicação fará efeito em alguém que sustenta uma crença anticientífica acerca dos arranjos monetários e fiscais de um país. Ok, talvez ‘não’ seja muito forte, mas o ponto é que os incentivos não são para que se busque conhecimento, apenas confirmação de crenças.
Solução não há, mas pode-se minimizar o estrago se você conseguir mostrar às pessoas que, não, nem todas as crenças são compatíveis com o conhecimento científico (que, acabamos de ver, não é algo fácil de apreender). O trabalho é árduo, mas passa pelo combate ao analfabetismo funcional e pela compreensão de que sua persistência não é devida apenas aos analfabetos e à sua reprodução natural: há quem ganhe com isto.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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