Como tudo começou - O que os autores acham de 2025? - A noviça voadora monetarista - Lafcadio Hearn - Registro - Obituário
Um Feliz 2025 para você!
No Japão são 12:00 e, assim, o quinto ano da newsletter chegou! Portanto, agora começamos com o v(5), n(1), sim, o quinto volume! Publicamos muita coisa por aqui, não?
Neste primeiro número, destaco, há a participação especial de autores de newsletters do nosso universo Substack, no tópico O que os autores acham de 2025?.
Que o ano de 2025 lhe seja generoso, assinante (ou seguidor)!
Como tudo começou - Já que é Ano Novo o motivo, vou viajar no tempo, na antiguidade mitológica (mitológica?) japonesa e fazer um resumo do início dos tempos (ou seja, do Japão. Afinal, a mitologia é deles, né?).
Na tradução de um dos dois livros clássicos que compilam a história do Japão (uma mistura de mitos com fatos reais), o Nihongi, temos a origem divina da casa imperial descrita como (tradução do Google Translator, revisada por mim):
Antigamente, o Céu e a Terra ainda não estavam separados, e o In e o Yoo ainda não estavam divididos. Eles formavam uma massa caótica como um ovo que tinha limites obscuramente definidos e continha germes.
A parte mais pura e clara foi finamente desenhada e formou o Céu, enquanto o elemento mais pesado e grosseiro se estabeleceu e se tornou a Terra.
O elemento mais fino facilmente se tornou um corpo unido, mas a consolidação do elemento pesado e grosseiro foi realizada com dificuldade.
O Céu foi, portanto, formado primeiro, e a Terra foi estabelecida posteriormente.
Depois disso, Seres Divinos foram produzidos entre eles.
Por isso, é dito que quando o mundo começou a ser criado, o solo do qual as terras eram compostas flutuava de uma maneira que poderia ser comparada à flutuação de um peixe se divertindo na superfície da água.
Nessa época, uma certa coisa foi produzida entre o Céu e a Terra. Era uma forma como um broto de junco. Então isso se transformou em um Deus, e foi chamado Kuni-toko-tachi no Mikoto.
Em seguida veio Kuni no sa-tsuchi no Mikoto, e depois Toyo-kumu-nu no Mikoto, em todas as três divindades. [Aston, W.G. (2008) Nihongi, volume I - Chronicles of Japan from the earliest times to A.D. 697, p.2, 3]
A partir daí, vários deuses vão sendo criados até que se completam sete gerações. Nesta última temos Izanagi no Mikoto e Izanami no Mikoto (esta, irmã mais nova ou esposa, conforme o registro no Nihongi). É com eles que começa a história do Japão. Mais alguns longos trechos:
Izanagi no Mikoto e Izanami no Mikoto estavam na ponte flutuante do Céu e se aconselharam, dizendo: "Não há um país abaixo?"
Então eles empurraram para baixo a lança-joia do Céu e tateando ao redor dela encontraram o oceano. A salmoura que pingava da ponta da lança coagulou e se tornou uma ilha que recebeu o nome de Ono-goro-jima.
(…)
Então eles fizeram de Ono-goro-jima o pilar do centro da terra.
Agora a divindade masculina virando para a esquerda, e a divindade feminina para a direita, eles contornaram o pilar da terra separadamente. Quando eles se encontraram de um lado, a divindade feminina falou primeiro e disse: - "Que maravilha! Eu encontrei um jovem adorável." A divindade masculina ficou descontente e disse: - "Eu sou um homem e, por direito, deveria ter falado primeiro. Como é que, pelo contrário, tu, uma mulher, deverias ter sido a primeira a falar? Isso foi azar. Vamos dar a volta novamente." Com isso, as duas divindades voltaram e, tendo se encontrado novamente, desta vez a divindade masculina falou primeiro e disse: - "Que maravilha! Conheci uma linda donzela."
Então ele perguntou à divindade feminina, dizendo: - "Em teu corpo há algo formado?" Ela respondeu e disse: - "Em meu corpo há um lugar que é a fonte da feminilidade." A divindade masculina disse: - "Em meu corpo novamente há um lugar que é a fonte da masculinidade. Desejo unir este lugar-fonte do meu corpo ao lugar-fonte do teu corpo." Então, o masculino e o feminino se uniram pela primeira vez como marido e mulher.
Agora, quando chegou a hora do nascimento, primeiro de tudo a ilha de Ahaji foi considerada como a placenta, e seus pensamentos não demonstraram prazer nela. Portanto, recebeu o nome de Ahaji no Shima.
Em seguida, foi produzida a ilha de Oho-yamato no Toyo-aki-tsu-shima.
Aqui e em outros lugares, Nippon deve ser lido como Yamato. [p.11-13]
Como diz Ashton, em uma de suas ótimas notas de rodapé, “Aha-no jima” é algo como “my shame”, ou “the island which will not meet”. A origem do Japão, então, deriva de um ato de amor entre um casal da sétima geração dos Deuses.
Segundo este verbete da Wikipedia, seriam estas as oito ilhas criadas pela união dos dois deuses, representando o que alguns podem interpretar como o início da colonização do arquipélago:
“From their union were born the Ōyashima, or the "great eight islands" of the Japanese chain:
Na segunda edição (mas na primeira também, de 1990) de Haikai - Antologia e História, de Paulo Franchetti e Elza Taeko Doi de 2012, os autores, citando um autor japonês da área (Tooho Sanzooshi), tornam o final da narrativa anterior, sobre Izanami e Izanagi, mais romântica.
O haikai é uma forma de canto. O canto existe desde o início do céu e da terra. Quando a deusa e o deus desceram do céu a Onokoro-jima, a deusa disse primeiro: ‘Ah, que homem encantador!’. E então o deus disse: ‘Ah, que mulher encantadora!’. Isso ainda não era canto. Mas como o canto é a expressão em palavras do que sente o coração, vê-se aí a origem do canto.
No tempo dos deuses o número de sílabas não era fixo, mas chegando a idade dos homens definiram-se, com Susanoo-no-Mikoto, as 31 medidas:
Yakumo tatsu
Izumo yaegaki
Tsuma gomeni
Yaegaki tsukuru
Sono yaegaki woTodas essas nuvens
Que se acumulam
No céu de Izumo
Parecem muros
Construídos para nos abrigarDiz-se que foi com esse canto que o número [de sílabas] ficou determinado. E como se tratasse da maneira do país de Wa, passou a se chamar Waka.” [p.9]
Note, amigo leitor, como essa segunda narrativa omite o pequeno entrevero entre o casal, quando Izanagi dá uma de machão e faz com que ambos deem uma segunda volta apenas para fazer seu galanteio antes dela. É, desde o início dos tempos que nós, homens, perdemos tempo com bobagens (ou não?).
Isto, a propósito, lembra uma piada recorrente nos seriados e filmes nos quais o homem, ao ouvir uma frase correta da mulher, dá um jeito de discordar dela para, em seguida repetir a mesma frase. Quem assistia ao seriado Agente 86, por exemplo, via o agente Smart (vivido por Don Adams) fazer exatamente isso com a 99 (Barbara Feldon)…
Outro detalhe: “Nippon/Nihon”, “Yamato” e “Wa” (do “país de wa”, mencionado). Sim, é tudo Japão. Vamos lá, 日本 (Nippon ou Nihon) é o nome atual do Japão. A pronúncia dos chineses da época era algo como Zipang (nome, aliás, de um ótimo anime). Yamato ou 大和, bem, este você acabou de ler a respeito. Trata-se de uma leitura especial dos dois ideogramas (isto acontece com frequência em japonês). Finalmente, 和 (wa) é também sinônimo de Japão. Por exemplo, não se diz que 'comida japonesa’ seja Nihon no shoku, mas sim, washoku (和食).
Para finalizar, Izanami dará a luz ao Deus do Fogo o que, por incrível que pareça à esta altura da mitologia, causa sua morte. Daí em diante, sigo o resumo de Basil Hall Chamberlain, autor de Things Japanese, um livro de 1904
...seu marido, como Orfeu, a visita no portão do submundo para implorar que ela retorne a ele. Ela o faria de bom grado, e o manda esperar enquanto ela se aconselha com as divindades do lugar. Mas ele, impaciente com sua longa espera, quebra um dos dentes do pente em seu cabelo, o acende e entra, apenas para encontrá-la uma massa horrenda de putrefação, no meio da qual estão sentados os oito Deuses do Trovão. Oito, observe-se, é o número místico dos japoneses, assim como seis é o número místico dos Ainos que seus ancestrais expulsaram.
Retornando ao sudoeste do Japão, Izanagi se purifica banhando-se em um riacho, e enquanto o faz, novas divindades nascem de cada peça de roupa que ele joga na margem do rio, e de cada parte de sua pessoa. Uma dessas divindades era a Deusa-Sol Ama-terasu, que nasceu de seu olho esquerdo, enquanto o Deus-Lua surgiu de seu olho direito, e a última nascida de todas, Susan-no-o, cujo nome significa "o Homem Impetuoso", nasceu de seu nariz. Entre três filhos, seu pai divide a herança do universo. [p.224]
Assim surgiu o Japão e a Casa Imperial, segundo os escritos antigos.
O que os autores acham de 2025? - Convidei alguns amigos para compartilharem seus pensamentos. Ei-los, em ordem aleatória.
André Corrêa Badé: "Espero que a pena por descumprimento dos objetivos de 2024 seja reduzida por bom comportamento em 2025". A news dele: https://badecorrea.substack.com/.
Adalberto de Queiroz: “Lembrei-me de uma entrevista que a jovem repórter Glória Maria fez com o poeta Carlos Drummond de Andrade, ao encontrá-lo, aparentemente por acaso no centro do Rio, no final de 1984 e perguntou-lhe: "O que o sr. espera para 85?" E ele: "Eu desejo menos inflação e mais paz de espírito; que os grandes do mundo se entendam, que deixem de se entredevorar com ameaças, com xingamentos - o que perturba muito os países menores que sofremos muito com a briga dos grandes. Então, que eles nos deixem em paz também..." Parece atual, mas eu adicionaria uma pitada de Esperança, aquela esperança de que nos falou São Paulo: "A Esperança não decepciona". E no nosso universo particular que tenhamos Saúde, Paz e Bem! porque assim todo o resto virá como um bônus inevitável.” A news dele: https://adalbertoqueiroz.substack.com.
Orlando Tosetto: “O que espero de 2025: artérias, rins e pâncreas biônicos. O que o ano me dará: farmácia popular.” A news dele: https://orlandotosetto.substack.com.
A noviça voadora monetarista - Neste belíssimo episódio de “A Noviça Voadora” (Sally Field, a Regina Duarte norte-americana, em sua melhor época) a nossa noviça (a mencionada Sally) resolve atender o pedido da velha freira doente que é natural de um daqueles países escandinavos.
O pedido? Quer ver neve. O problema é que no universo fictítio da série, o convento fica em Porto Rico e a neve, que faz tão bem à saúde da velha freira, também arrasa com a fonte de renda local: o turismo.
Para consertar a confusão, a noviça, tal como na imagem do helicóptero de Milton Friedman (uma expressão comum usada, em geral, para criticar o monetarismo de Friedman), sai voando e jogando notas de dinheiro por toda a cidade.
O episódio lembra muito a interpretação de Friedman sobre a Grande Depressão. Segundo ele e sua coautora, Anna Schwartz, a depressão teria sido causada por uma bolha especulativa e amplificada pela falta de ação do FED (o banco central deles) que deveria ter aumentado a oferta monetária.
Analogias à parte, o episódio é ótimo. Não sei quanto tempo ficará no ar, mas eis o link para o vídeo.
Lafcadio Hearn - Além do famoso Kwaidan (Kaidan), eis outro livro, disponibilizado no Projeto Gutenberg. Só há um aspecto de sua obra que não gosto que é o tratamento do mito fundador do Japão (tópico inicial de hoje) ser tratado como uma história de fadas. O ensaio, incluído na tradução em português de seu O menino que desenhava gatos, da editora João e Maria, transforma o mito da fundação em uma história de fadas. Hearn provavelmente não falava de duendes e fadas ao se referir a Hércules, Zeus ou Apolo. Muito menos falaria em gnomos ao se referir ao Antigo Testamento. Já no caso do Japão, país que adotou como seu, ele faz isso. Fazer o quê, né?
![](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F53677d81-e594-447d-b2bf-0eba2c2aac00_2371x1200.jpeg)
Registro - Na manhã do dia 27, fazendo café, com sono ainda - e atrasado para acordar (ah, qual é…férias!) - ouço o que parece ser um miado ao longe. Sempre acho que ouço sons estranhos que ninguém parece ouvir, mas nunca duvido da minha intuição. Fui até a janela e não deu outra: parece que tivemos um menininho ou menininha Jesus na vizinhança. Vida nova para alguns que têm o privilégio e a responsabilidade de criar uma nova vida.
Voltei para terminar de coar o café com um sorriso no rosto.
<Interpretação 1: era um sorriso sarcástico, afinal, quem vai criar são eles, não eu!>
<Interpretação 2: era um sorriso sincero, feliz por aqueles que trouxeram mais uma vida para este mundo>
Embora a primeira seja a minha cara, até eu me espantei ao escolher a segunda que, de fato, transmite o que realmente senti.
Obituário - Outro obituário, do mundo cultural japonês. Descobri que também morreram neste ano o Shouji Koganezawa e Jirou Kanmuri…
Por último, como diria o Orlando, até mais ler.
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico geralmente às quartas. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00 + valor do seu tempo para apertar o botão subscribe com seu endereço de e-mail lá…) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.