Vamos falar, neste quarto número do primeiro volume desta newsletter, de matemática hoje (e perder inscritos, claro).
Lá pelos meus 15 anos, um belo dia, resolvi que iria aprender a mexer no soroban (ábaco, para os não-iniciados) que meu pai tinha guardado em casa. Você pode imaginar o início da coisa: eu encaro o soroban, ele me encara. A gente se olha com aquele ar de desafio. O objeto não fala a língua do humano e o humano não fala a língua do objeto. É um desafio no qual nenhum dos dois conhece as regras.
Numa das visitas anuais ao mundo exterior (mundo exterior dos anos 70-80 = São Paulo, capital), trouxe comigo o Soroban pelo método moderno do prof. Fukutaro Kato (4a edição melhorada), impresso por uma enigmática Associação Cultural de Shuzan do Brasil em algum ano não mencionado no livro. Parece coisa de magia negra, né?
Foi ali que percebi que o soroban não era nada mais, nada menos do que o quadro valor de lugar da minha infância. Ainda me lembro da minha mãe confeccionando o meu com cuidado em casa (se ela não fez isto, bem, é assim que me lembro e prefiro que seja assim). Unidades, dezenas, centenas e milhares. No quadrinho, quando se completavam 10 palitos de picolé nas unidades você os retirava e colocava 1 palito na coluna das dezenas e assim por diante.
O soroban é um pouco mais econômico (veja a figura acima). Ele possui quatro unidades na parte inferior à barra e uma na superior da pequena barra horizontal. Aproximá-las da barra significa criar um número. Assim, lá na primeira coluna da direita, descendo a primeira da parte superior e subindo duas da inferior forma-se o número sete. Caso seja a segunda coluna (indo da direita para a esquerda), são setenta, etc. Fácil, não?
Rapidamente aprendi a somar e a subtrair. Regras aprendidas. Nem eu tratava mal o soroban e nem ele me tratava como um imbecil que não sabia somar. Mas quem disse que era só somar ou subtrair? O livro me falava de multiplicação, divisão e o último - e fatídico capítulo (também o mais enigmático) era o da raiz quadrada. “Não tem logaritmo e matriz, não, mané"?”, deve ter perguntado um jovem Claudio. Parei na divisão mas, honestamente, só me lembro de como somar ou subtrair.
Antes que você me pergunte, sim, há alguma evidência científica de que o soroban nos ensina algo. Uma discussão interessante - com implicações não apenas pedagógicas - é sobre se há outras formas, além da linguagem de se aprender números (veja também este estudo com randomized controlled trials).