Choques Tecnológicos Gellnerianos e Schumpeterianos. Ditadores e seu povo. Frajolinha.
O Teorema de Pitágoras saiu para tomar um café. É só com ele?
Eis o v(2), n(13) da newsletter. No momento em que escrevo, estou já negativado para Covid-19 em um teste. Por que? Porque a mudança de tempo me deixou com a garganta irritada e isso preocupou alguns amigos que passaram a suspeitar que eu poderia estar entre os novos casos desta pandemia.
Bem, acontece que eu ainda não fui pego nesta. Mas, sim, estou um pouco mais quieto estes dias. Como já falei, a sorte é que tenho alguns livros e artigos para ler (alguns por vontade própria). E tenho este compromisso com os assinantes. Sendo assim, vamos lá.
A inovação no socialismo real e o rent-seeking - Ernest Gellner traz este divertido caso sobre a inovação no socialismo da, então, Tchecoslováquia, tal como contada por Václav Havel.
O melhor comentário sobre as economias comunistas é a história de Václav Havel sobre o tcheco entusiasta da fabricação de cerveja - sendo a cerveja o coração da vida tcheca - que devotou toda a sua energia para melhorar a qualidade do produto da cervejaria na qual estava empregado. No fim, foi humilhantemente demitido como sabotador. [Gellner, E. Condições da Liberdade - A Sociedade Civil e Seus Rivais, Jorge Zahar Editor, 1996, p.81]
Ok, não vou dizer cheers. Este trecho, aliás, está em um pequeno capítulo no qual Gellner elabora sobre as possibilidades do ‘político’ com o ‘econômico’. Sua reflexão lembra muito os argumentos da teoria do rent-seeking, hoje, praticamente incorporada à teoria econômica.
Há, contudo, uma elaboração sobre a tecnologia, que me deixou intrigado. Gellner distingue a tecnologia moderna da ‘antiga’ (mas não se sabe bem quando termina uma e nem quando a outra se inicia). No fundo, seu argumento é o de que a tecnologia antiga não é, digamos assim, schumpeteriana. Ou seja, não causa uma disrupção no tecido social na escala que Schumpeter descreve.
É quase como se tivéssemos dois tipos de choques tecnológicos: os gellnerianos e os schumpeterianos. Os primeiros, portanto, não gerariam destruição criativa. Alternativamente, pode-se relaxar o conceito e pensar nos choques gellnerianos como choques com efeitos de transbordamento limitados.
Para mim, este foi o jeito de compatibilizar as duas visões.
Mas Gellner não parou aí. Veja, por exemplo, sua definição do empreendedor moderno.
O empreendedor moderno é o intermediário entre um ambiente politicamente controlado e a sociedade, mais do que entre a natureza e a sociedade. [p.83]
Em seguida, ele discorre sobre como alguns são disputados pelas empresas por seu conhecimento da burocracia ou por suas conexões políticas. Traduzindo seu texto para o bom economês, o que ele diz é que a atividade rent-seeking é o que tornaria indesejável a adoção de um Estado Mínimo no sentido liberal clássico.
Há quem veja na atividade rent-seeking um motivo para se adotar um Estado Mínimo e há quem veja um motivo para se construir instituições pró-mercado. A diferença entre ambos nem sempre é corretamente percebida, seja na academia, imprensa ou redes sociais.
A bem da verdade, é possível se pensar em um Estado Mínimo, mas com instituições reformadas o suficiente para blindar as receitas de impostos dos rent-seekers. O grande problema, claro, é como fazer isto (e aqui a literatura é abundante em sugestões, estudos empíricos etc).
Neste livro noto que Gellner é um autor que oferece uma perspectiva teórica da relação entre Estado e Sociedade próxima à da Escolha Pública (Public Choice). Não são idênticas, mas é possível encontrar várias interseções.
A reflexão dele quanto à tecnologia, entretanto, ainda me deixa intrigado e o que eu falei sobre choques tecnológicos, aí em cima, foi uma tentativa de incorporar seu insight no esboço bem inicial de um modelo econômico.
Ah sim, se for possível separar choques tecnológicos como propus, talvez uma análise econométrica de séries de tempo (time series) possa ser usada para captar os diferentes choques. Bom, para isso é necessário ler e repensar tudo isso com muita calma e com mais profundidade.
Provavelmente, muito provavelmente, já existe algo similar, na literatura sobre choques tecnológicos. O leitor que me perdoe, mas nem sempre consigo pesquisar tudo sobre todas as áreas antes de oferecer meus insights. Bom, mas aí, quem gosta do tema pode comentar ou ampliar a pesquisa. Quem sabe, não há aí realmente um tema legal para se estudar? Por fim, aposto que poucos economistas incorporaram os insights de Gellner em seus modelos teóricos.
Nossos Anos Verde-Oliva - O livro Nossos Anos Verde-Oliva, do chileno Roberto Ampuero saiu por aqui em 2012, pela editora Benvirá (provavelmente não existe mais). Estou no início do livro que narra a história do autor, um chileno esquerdista que foge do golpe de Pinochet para a Alemanha Oriental e, após conhecer a filha de um oficial cubano, apaixona-se e se muda com ela para a ilha.
Claro que é uma autobiografia, mas os interessados em como é a vida de um indivíduo no socialismo real encontrarão neste livro detalhes muito interessantes. Desde a incompetência em produzir bens de consumo básicos até a queima de livros ‘antirrevolucionários’, nada parece funcionar tão bem lá como na propaganda.
Eis um trecho sobre como a ditadura castrista tratou alguns de seus cidadãos, no final dos anos 70.
A perseguição aos homossexuais atingiria o auge no final dos anos 1970, sob a batuta do general Raúl Castro que, com sua sempiterna voz de cachaceiro, havia ordenado limpar a sociedade revolucionária de veados, incluindo o prestigioso Balé Nacional - medida que desencadeara uma ampla campanha internacional de protesto de governos e organizações humanitárias, especialmente depois que aviões espiões constataram que milhares de homossexuais estavam reclusos em campos especiais, denominados Unidades Militares de Apoio à Produção (Umap) -, e desmantelara totalmente os corpos de balé da ilha e importantes setores da cultura cubana. [p.121]
Um pouco diferente do que diz a propaganda, não? Infelizmente, não encontrei um checador de fatos para me ajudar a verificar este aí.
Um ponto que me veio à mente (mas nunca pesquisei sobre o tema) é se existiria uma diferença entre os países socialistas segundo alguma variável indicadora de capital humano em hard sciences.
Afinal, na lógica marxista, você tem que ter progresso técnico para se aproximar do momento propício à implantação do comunismo. Porém, sabemos que, historicamente, esta previsão de Marx não se cumpriu.
Mas, será que podemos dizer que, digamos, países socialistas com maior percentual de engenheiros per capita, tiveram maior sucesso relativo quando comparados entre si (amigos de Varsóvia e assemelhados)?
A intuição me veio da leitura deste livro do Ampuero, já que Fidel cogitou extinguir os cursos das ‘humanas’, já que estes não lhe pareciam úteis e, claro, uma coisa é gerar contestação antes de você tomar o poder (“Viva as ciências humanas, tão belas e contestatórias!”) e depois (“Abaixo as ciências humanas, geradoras de discursos contrarrevolucionários!”).
Caso você já tenha visto algum estudo empírico sobre o tema, agradeço se me enviar a referência (use o botão de comentário).
Frajolinha - Sabe o leitor mais assíduo que em casa temos Sofia e Gigi, duas gatinhas de temperamentos bem distintos. Mas cá no local de trabalho temos a Frajolinha, que, a despeito do imenso tempo em que estivemos no trabalho remoto, reconheceu-me assim que voltei.
Pois nos primeiros dias, ainda com pouca gente, ela e eu voltamos à rotina que tínhamos em 2019: trago-lhe o café da manhã e, antes de ir embora, despeço-me dela. Claro, sempre que preciso refletir sobre algum problema e tenho tempo, procuro-a em outros horários.
Ocorre que, aos poucos, as pessoas estão voltando ao trabalho presencial. Isso significa que ela tem mais fontes de carinho e não falta quem lhe dê ração, além de mim.
Daí que observei a lei dos rendimentos decrescentes da Frajolinha. Explico-me. Frajolinha vê em mim um bem, no sentido econômico. Eu lhe trago bem-estar. Mas, à medida que vários outros lhe dão carinho, meu valor marginal cai e, agora, há dias em que ela já se despede de mim mais cedo.
Eu, de minha parte, como arguto (penso eu que sou esperto, claro!) observador do comportamento frajolítico, não me importo muito com isto. Claro que é bom ser o único a receber seu afeto felino mas é melhor ainda saber que, se um dia eu me for, haverá alguém para cuidar de minha pequena amiguinha.
Pois saiba o leitor: com a ajuda de uma ótima designer e com alguma pesquisa na internet, fiz um crachá para Frajolinha. É sempre importante que uma funcionária emérita como ela tenha sua posição institucionalmente reconhecida.
Não sei se ela gostou do crachá, mas a turma toda que lhe faz festa adorou. Eu deveria alugar o crachá para fotos. Afinal, temos até o PIX hoje em dia…
Wasabi - Finalmente São Paulo tem wasabi de verdade. O chato é descobrir que havíamos sido enganados por tanto tempo…
DJ Den’nai (DJ 伝内) - Provavelmente o melhor canal com mixagens de músicas japonesas sob diferentes estilos. Recomendo. Segue uma ótima compilação.
Por hoje é só, pessoal!
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