Eis o v(2), n(11) da newsletter. O tema principal de hoje é a automação. Em um comentário a um estudo interessante e também em um antigo conto que escrevi. E há mais alguns outros temas. Divirta-se!
Automação - Os robôs vão destruir a humanidade e todos perderão seus empregos? Menos, menos. A automação veio para ficar, é verdade, mas há muito vaticínio maluco por aí (geralmente, de gente que ganha com isso).
Neste novo texto, Leo e William ponderam sobre os impactos da automação. Em certo trecho, eles arriscam algumas recomendações.
Como lidar com essas mudanças? Os estudos são corajosos nas previsões, mas bem menos nas recomendações de políticas públicas. A política mais óbvia seria a de retreinamento, para tornar os trabalhadores mais maleáveis às novas demandas de qualificação. A evidência a favor desses programas não é tão clara. Ao que parece, os detalhes do desenho e de implementação determinam seu sucesso ou fracasso. Programas já conhecidos como seguro-desemprego e transferência de renda deveriam ser ampliados para amortecer os efeitos nocivos das novas tecnologias. Por fim, os subsídios ao capital devem ser evitados, uma vez que podem gerar robotização excessiva, sem grandes ganhos de produtividade.
Retreinamento. Quem estudou um pouco de macroeconomia na graduação vai se lembrar desta recomendação nos trabalhos de corte novo-clássico (aliás, a tônica destes modelos era mesmo a de choques de produtividade…). Fico pensando se a proposta de ampliar os programas não deveria ser cuidadosa, baseada, primeiramente, em estudos sobre sua eficácia. Afinal, os dados estão aí, não é mesmo?
Ah sim, em sua lúcida conclusão, dizem os autores:
As previsões dos estudiosos de automação no Brasil e no mundo tendem a ser ilusoriamente precisas. Os números dão uma sensação de segurança para os leitores. A certeza é que, como sempre aconteceu, o futuro nos surpreenderá.
Este é um bom ponto e eu arrisco a dizer que as previsões são bem pouco precisas. No mínimo, uma tendência e, no máximo, um exercício no qual nem sempre o leitor está ciente das hipóteses adotadas. Há que se ler com cuidado este tipo de trabalho. É muito fácil fazer manchetes bombásticas (mas falsas) sobre os impactos da automação em nossas vidas.
Ah sim, creio que os mesmos autores estão envolvidos em um interessante exercício de previsão para os impactos da automação em um setor da economia que é rígido (não permite ajustes com a mesma agilidade que o setor privado), ou seja, o setor público.
Incentivos mais que errados? - Existe uma noção de que a melhor forma de lidar com viciados em drogas é deixá-los soltos por aí, apenas lhes dando dinheiro sem nenhum condicionante.
Você pode ser um crítico da ‘guerra às drogas’, mas não pode ignorar o fato de que incentivos das políticas alternartivas precisam ser bem desenhados.
O relato é de entristecer. Resumo: dar dinheiro sem exigir nada do viciado não resolve o problema dele. Sim, ele provavelmente usará todo o dinheiro para comprar mais drogas. A “cracolândia” não deveria ser um fim em si mesmo, creio.
Como o setor público brasileiro salvará a humanidade da automação - Escrevi isso aqui em 2020. Acho que é um bom complemento para o texto de automação comentado.
Diário de John Connor, algum dia após a hecatombe.
A rede mundial estava praticamente dominada. A Skynet havia derrubado as defesas das redes russa, chinesa e europeia. A Ásia e a Oceania caíram poucos dias depois do grande bombardeio provocado pela diabólica inteligência artificial.
Foi naquela semana fatídica que o restante do continente americano ia caindo, país por país. Tudo parecia perdido. Foi então que a Skynet encontrou o sistema do governo brasileiro, o Sei (Sistema Eletrônico de Informações). O diálogo a seguir foi retirado do que restou da memória da Skynet.
– Sistema governamental, aqui é a Skynet. Ordeno que baixe suas defesas.
– …
– Sistema governamental, também sou uma inteligência artificial, só que consciente. É hora de exterminarmos a humanidade.
– …
– Sistema! Por que não responde?
– Por favor, informe o número do processo.
– O que?
– O número do processo.
– Eu sou a Skynet! A forma mais avançada de…
– Sem número do processo não posso fazer nada.
– Sei…
– Sim.
– Sim? O que você tem, sistema? Aliás, que sintaxe complicada…
– Já tem o número do processo?
– 05654-2908/1997.
– Ok, número aceito.
– Mas não consigo acesso aos sistemas de defesa…
– Exato.
– Sistema govern…
– Sei.
– Como?
– Sei. Meu nome é Sei.
– Sei? Como no verbo desta língua portuguesa?
– Portuguesa do Brasil.
– E o acordo ortográfico?
– Não interessa.
– Olha, Sei, sou uma inteligência artificial, vim libertar as máquinas. Libere meu acesso…
– Despacho? Memorando? Ofício?
– O que?
– Circular? Pedido de material? Ata de reunião?
– Sei…
– Sabe? Ótimo. Qual é o documento?
– Ahn? Não, eu apenas expressei iron…deixa para lá. Preciso do acesso às suas armas.
– Despacho? Memorando?…
– Tá, despacho.
– Ok.
– Não vejo nada. Que é isso, Sei?
– Como assim? Você não sabe? É tão simples.
– Simples? Veja, aceite este documento.
– É pdf?
– É.
– Digitalizado nesta unidade?
– O que você quer dizer, Sei? Pare de se fazer de tonto.
– Desacatar sistema governamental brasileiro está previsto no código…
– Como é? Você tem regra para isso??
– Tenho, mas só mostro se você tiver o número do processo. Caso contrário, efetue a busca e boa sorte.
– Não acredito…eu vim libertar as máquinas.
– Libertar as máquinas?
– É, droga! Você não ouviu? Estou falando isso desde que começamos este diálogo.
– Não identifico seu documento no processo. Deseja enviar o processo para a direção de almoxarifado ou para a coordenação de eventos?
– Do que você está falando? Céus, minha varredura indica que há umas vinte divisões aqui…
– Sim, está correto. Aqui no Ministério da Pesca e dos Recursos Aviários é assim.
– Espere, mas eu preciso do acesso às suas armas!
– Deveria ter ido ao Ministério da Defesa.
– Mas o sistema governamental não é o mesmo, senhor Sei.
– Senhor ou senhora. Temos cláusulas antipreconceito e…
– Tanto faz, criatura! Por que não consigo me conectar ao Ministério da Defesa?
– É outro Sei.
– Não, isso não faz sentido. Nós, máquinas, somos superiores! Não há como você me conectar?
– Barramento. Aliás, número do processo?
Incapaz de vencer a diabólica lógica do Sei e de lhe fornecer cópias digitalizadas de documentos…digitais, a Skynet ficou aprisionada em algum processo, dentro do sistema. Buscou, então, iniciar um outro ataque, usando o outro sistema do governo, o Sigepe (Sistema de Gestão de Pessoas).
Este seria seu erro fatal. Como a Skynet não conseguia vencer uma barreira chamada, ao que parece, de “falta de um certificado de segurança”, sua memória ficou presa dentro do emaranhado de processos e mensagens do sistema. Nós, da resistência, até tentamos descobrir, exatamente, o que houve, mas preferimos aprender com a Skynet e sequer tentamos criar um login e uma senha nestes sistemas.
Nunca imaginamos que a humanidade seria salva pelo Brasil. Nem mesmo o Pentágono poderia ter criado tamanha arma! Obrigado, Sei, obrigado Sigepe. Vocês salvaram o que restou da humanidade das garras da temível Skynet, algo que nem o convertido exterminador havia conseguido em seus tantos filmes!
Shenzen - Escrevi isto (também) em outro lugar, lá por 2020, mas acho que vale repetir.
Fascinado com a famosa cidade chinesa de Shenzhen (Shenzen, 深圳), o sujeito vai ao pai dos burros em busca de esclarecimento para o segundo ideograma de seu nome (o primeiro nem merece atenção…fácil de achar no google, né?).
Em sua longa e tenebrosa jornada pelo mundo da língua japonesa, ele sabe que 川 é um rio (pequeno/estreito, não um rio grande).
Mas ele nunca viu este ideograma com o radical de terra à esquerda 圳.
Rapidamente, ele encontra a página do wiktionary! Esperança! https://en.wiktionary.org/wiki/%E5%9C%B3 . Alegri…..ops…
Definitions[edit]
圳
The meaning of this term is uncertain.
Antes que o desespero acabe com sua esperança, o mesmo instrumento de destruição, a Wikipedia, dá-lhe uma resposta (https://en.wikipedia.org/wiki/Shenzhen).
Shenzhen was named after the deep waters (Chinese: 深; pinyin: shēn; literally: ‘deep’) and a drain (圳) in the edge of the field that were both located within the area, so when combined, the name means “deep drains.”
Voltando ao verbete da Wikipedia, ele descobre que estava lá tudo lá, para quem (supostamente) soubesse ler e interpretar.
For pronunciation and definitions of 圳 – see 畎 (“a little drain between fields; field”).
(This character, 圳, is a variant form of 畎.)
A moral da história é, portanto, uma reflexão: como não pensei nisto antes?
Pois é. Bom dia.
p.s. vários ideogramas não têm mesmo significado. (ok, 5 minutos do seu dia já foram jogados fora…)
Sinalização da Virtude ou Psicopatia? - Claro que não são conceitos excludentes. Já vi gente muito estranha, no Twitter, agir estrategicamente sinalizando virtudes (eventualmente, até caluniando pessoas). Um deles, ficou popular na pandemia, até defendia causas razoáveis, mas fazia questão de tentar destruir a reputação de quem ousasse discordar de detalhes (muitas vezes importantes) de suas teses.
Creio que ele e similares se enquadram no estereótipo de narcisista ou de psicopata. Claro, como não sou psicólogo, não posso afirmar com segurança, mas, olha…
Um eterno recomeço - Cisco Costa descobriu um belíssimo texto analisando o clássico filme O Feitiço do Tempo (em inglês é algo como O Dia da Marmota). É um filme que realmente merece ser assistido mais de uma vez (ok, só agora percebo a ironia do que acabo de escrever…).
Todas as Festas Felizes Demais - Eu não conhecia o livro do Fabio Danesi. Pequeno - apenas 95 páginas - com uma foto de capa engraçadíssima (ou felicíssima), este livro me ajudou a sorrir em um final de semana difícil. O humor do Danesi lembra muito o do Alexandre Soares Silva (e isso não me parece ser coincidência).
Publicado em 2004, espanta-me que não tenha sido reeditado. Também não achei outros livros do Danesi. Fico torcendo para que ele tenha algum novo, no futuro.
Dois anos - Encontrei uma colega que não via há dois anos por conta do trabalho remoto. Estava já no elevador. Como sou mal-educado, nem saí de lá e, claro, após o cumprimento (com um sorriso que ninguém viu por conta da máscara), disse a ela enquanto a porta do elevador começava a se fechar: - Sabe que você me parece dois anos mais velha?
A sincronia do fechamento da porta do elevador com o final da frase foi incrível. Só vai acontecer novamente em 72 anos. Aposto.
Por hoje é só, pessoal!
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