As Minhas Férias. Como ter razão sem vencer um debate. Outros despachos.
Por que é que a galinha atravessa a rua? Para ver se estou lá na esquina?
Eis o v(2), n(41) da nossa newsletter. Este número, em especial, um pouco mais filosófico do que de hábito.
A escritora Ana Elisa publicou um pequeno texto sobre a famosa redação que sempre assombrou todos os alunos de todos os colégios por anos e anos. Talvez ainda assombre. Sim, ela mesma: a redação sobre as férias. Para mim, sempre foi uma oportunidade para exercitar minha imaginação já que, bem, minhas férias eram modestas.
Minhas Férias
Quero contar ao leitor sobre minhas férias e me vejo obrigado a deixar claro, de cara, o contexto das minhas escolhas ao longo da (também minha) vida estudantil. Espero ser bem monótono para que o leitor desista e não descubra muito mais sobre a pacata vida deste, então, jovem aluno.
De início, devo dizer que, lá em casa, apenas meu pai trabalhava. Vendo a decadência das escolas públicas, sacrificou-se para que estudássemos em escolas particulares. No plural, sim senhor. Assim, eu e meu irmão dividimos, com viés pró-Minas, nossos estudos entre a capital carioca e a pão-de-queijoística capital mineira.
À medida em que tomava consciência da vida (um sinônimo imperfeito para ‘crescer’), percebi que frequentar a escola tinha uma carga de responsabilidade diferente daquela que percebia em alguns amigos. O dinheiro era apertado e a escola ocupava boa parte do orçamento. Com pais se sacrificando, como fazer pouco dos estudos?
A meu favor - ou talvez eu tenha escolhido isso desde cedo - eu gostava da escola. Sempre tive os amigos que gostavam de cabular aulas (e nada tenho contra eles). Havia também os que gostavam de mostrar - ao menos da boca para fora - que não gostavam de estudar. Estes eram a versão ‘descolada’ da turma nos anos 70 e 80. Um ou outro talvez pensasse que estivesse vivendo o seu próprio Curtindo a Vida Adoidado em pleno clima tropical.
Eu não pertencia a nenhum destes grupos. Não que estudar me causasse prazer (às vezes sim, às vezes nem tanto). Como já disse, era algo que eu tinha que fazer e, claro, bons resultados traziam elogios dos pais que, sabemos nós, é melhor do que as broncas. Então, eu não era da turma da fuzarca, mas também não era um beato.
Contudo, o tema de nossa conversa, são as férias. Voltemos a elas ou a redação será mal avaliada por exagerado desvio de rota, trazendo ao leitor - que provavelmente é minha professora do colégio (saudosa dona Marta nos últimos anos daquele!) - a sensação de que deve me repreender ao final da próxima aula, ainda que tudo isso, agora, seja passado.
O fato é que, ao contrário dos meus amigos, raramente viajávamos nas férias. Meu pai não tirava férias (mesmo) e não tínhamos dinheiro para viagens. Tivemos, sim, algumas semanas de julho em uma bela casa de um tio em um condomínio fechado (já no final do meu 2o grau, hoje chamado de ensino médio…) que foram muito boas (meu tio tinha uma coleção de revistas do Pasquim que eu e meu irmão adorávamos).
A época das férias, então, era aquele período em que todos meus amigos viajavam e eu ficava na cidade (uma forma divertida de pensar nisto era imaginar que a cidade era mais minha naqueles dias…). Como os calendários de viagens não eram muito espartanos, sempre havia um amigo no início ou no final das férias para você visitar. Até a turma do futebol se desfazia neste período (esta turma se transmutou na de peteca, anos depois, com quase os mesmos componentes, salvo engano).
E o que eu fiz nas férias, em todas aquelas férias? Muita coisa. Andei muito pelas ruas do centro de Belo Horizonte. Também gostava de observar a cidade e ler algum livro no terraço do extinto Central Shopping, no Edifício Seculus (onde viria a trabalhar, anos depois, em certa faculdade). Também vi muitos filmes e seriados na TV. Sim, cinemas também. Claro. Depois de certa idade, usava o tempo para me preparar para o vestibular.
Houve também uma vez - na verdade duas - em que fomos (parte do pessoal do futebol) para Sabará, a pé e voltamos de ônibus (não, não fomos atrás de algum cadáver de uma criança…). Acho que foram umas 4 ou 5 horas de caminhada com descanso no coreto de uma praça em algum ponto da cidade famosa por seus pés de jabuticaba. Taí uma aventura da qual não temos um único registro fotográfico, mas da qual me orgulho.
Tive também meus momentos ‘culturais’ com filmes na Sala Humberto Mauro (lembro-me de todos os filmes alemães que vi e não me lembro dos franceses…Fritz Lang deu de sete a um em Truffaut e em Goddard). Também me diverti na biblioteca do falecido Instituto Goethe (e também na biblioteca municipal, Emílio de Bessa). Algumas visitas fiz à antiga Livraria Alfarrábio (um sebo que frequentei por muitos anos), ainda em sua encarnação inicial, na Rua Curitiba (também fiz visitas ao sebo do senhor Leão, em algum andar do Edifício Maletta).
Foram muitas aventuras as que vivi em minhas férias. Deixei algumas de lado porque, sabe como é, sou muito esquecido. Aventuras, sem dúvida, menos emocionantes do que montanhas-russas em Orlando. Ou menos bronzeadoras que as praias do Espírito Santo. Aliás, eis aí dois passeios que nunca fiz.
p.s. Outro relato escolar é este, de Mariel Reis…
p.s.2. …e outra boa idéia para uma redação de férias seria falar de sua visita a um lugar que não existe.
Como ter razão sem vencer um debate - Já de cara, o resumo da coisa está ilustrado na tabela a seguir.
O leitor sabe que não tenho livros (bem…) ou colunas em jornais. Verdade. Mas tenho um ego muito inflacionado, talvez por culpa da guerra na Ucrânia, embora só eu acredite na tese de que a rave dos preços gerada pelo conflito se estenda a bens imateriais de caráter psicanalítico.
Isto nos leva (acho eu) ao ponto central deste pequeno texto que pretende explicar como se pode ter razão sem vencer um debate. Sim, leitor. Estou pensando fora da caixa, invertendo os parâmetros e sendo disruptivo. Depois de todas estas frases impactantes, imagino, seu cérebro já se converteu em geléia e meus argumentos se tornaram mais persuasivos.
Ou não. Talvez o seu cérebro não seja tão idiota de cair no meu safado golpe de marketing e já tenha percebido que apenas inverti os elementos do clássico ‘Como vencer (perder) um debate mesmo tendo (não tendo) razão’.
Schopenhauer começou isto com seu famoso livro e foi seguido por Alexandre Soares Silva e Paulo Polzonoff, com seus ótimos textos. Claro, como a tabela indica, há ainda um espaço a ser ocupado, mas eu pensei em algo muito mais original (eu já disse que meu ego está inflado/inflacionado?).
Então, como é que você pode ter razão, mesmo sem vencer um debate? Usando a filosofia, ora? Nada melhor do que uma pequena ficção para ilustrar meu argumento.
Assim, suponha que você, Schopenhauer (talvez você também tenha um ego inflado, inflacionado, superestimado etc.), participe de um debate com Alexandre e Paulo e, claro, suponha também que você foi massacrado: nem um único aplauso recebeu da platéia que, maravilhada com as habilidades retóricas de seus adversários (já notou que eles são carecas, Schopenhauer?), deu-lhes todo seu amor.
Todos se retiram do palco - você até tenta ser discreto e passar por trás da cortina, mas não pode evitar os olhares de indiferença ou desprezo. É terrível, não? Alexandre e Paulo, como bons adversários de contenda, fazem o convite para que você se junte a eles em um vinho na padaria, aquela mesma que, vez por outra, é cenário das histórias do Dr. Palhinha, aqui, em alguns números desta mesma newsletter.
Você aceita, mas diz que, antes, precisa ir ali, no canto, fazer uma ligação para alguém doente da família. Diz também que logo se juntará aos seus algozes carecas. Longe de ambos, você liga para seus amigos da rua: Hegel, Kant, Kierkegaard e van Damme e combina com eles de pegar os dois carecas na porrada na porta da padaria. Apenas van Damme diz que não pode ir porque está terminando seu curso de patchwork, mas tudo bem.
Alguns minutos depois, você se junta aos dois vencedores do debate na padaria. Acomodados em mesa na calçada, conversam os dois animadamente sobre algum tema elegantemente literário enquanto você os acompanha com um sorriso incompatível com seu desempenho no debate.
Minutos depois, como dizem por aí, o tempo fecha. Hegel, Kant e Kierkegaard chegam de surpresa e enchem os dois de porrada. Tumulto e corre-corre. Enquanto ainda sangram no chão, você se aproxima deles e diz que o pesadelo só termina quando acab…não, melhor, quando eles te declararem vencedor do debate. Acuados, eles concordam.
Viu só? É assim que você pode ter razão, mesmo sem vencer um debate…e usando só a boa filosofia (ou os bons filósofos).
Nota: Nenhum Alexandre Soares Silva ou Paulo Polzonoff foi ferido ou morto durante a confecção deste texto. Qualquer semelhança é mera coincidência. Imagens meramente ilustrativas. Pilhas vendidas separadamente. Caso os sintomas persistam, procure seu médico.
Gustavo Corção defendeu o endurecimento do regime militar? - O autor deste artigo acha que sim. A história é cheia destes exemplos. Os irmãos Webb, por exemplo, defendiam a URSS. Miguel Reale participou ativamente do regime militar e nunca escondeu isto (basta ler os dois volumes de suas memórias).
Atualmente há - acredite, leitor! - brasileiros defendendo a violência stalinista (não se trata, como no caso dos irmãos Webb, de se defender avanços sociais sem o conhecimento da violência do regime soviético). Um exemplo apareceu nas redes sociais da professora Marize Schons.
É sempre muito difícil ter uma opinião definitiva sobre o que alguém achava de um evento histórico, eu sei. Nem mesmo a própria pessoa dizer o que pensava sobre isto ou aquilo resolve a questão. Afinal, ela pode estar tentando se livrar de uma culpa em relação aos seus (agora enxergados por ele como) erros do passado.
Lembro-me, por exemplo, de Miguel Reale comentando sobre seu passado integralista (eu já disse que alguém deveria reeditar suas memórias?) e sempre se queixando (às vezes com surpreendente impaciência) de estudos que lhe imputavam, supostamente, simpatias que dizia não nutrir por este ou aquele aspecto do fascismo.
A simpatia pelo ‘endurecimento’ do regime militar, contudo, é uma expressão que, acho curiosa. Desperta sentimentos diferentes em algumas pessoas. Afinal, uma camisa estampada com o rosto de Che Guevara ignora o sofrimento de muitos presos políticos cubanos: muitos parecem achar que está tudo bem se o regime militar se vender como inspirado nos mesmos ideais que os seus.
Aliás, já falei do livro (leitura ainda em andamento) Nossos Anos Verde-Oliva, do Roberto Ampuero? É ótimo para se pensar em ditaduras. Sua história? Pense em um chileno cheio de desejos de derrubar Pinochet que se vê sob a repressão do regime de Fidel Castro. O endurecimento do regime militar cubano - admirado por muitos estudantes brasileiros para os quais Corção, alegadamente, pedia mais endurecimento no trato, não era lá muito democrático…
Pois é. E, Corção, contudo, já morreu e, assim, não pode participar deste debate.
A carteira de meu tio - A edição da LP&M deste livro vem com ótimas notas de rodapé. Mas se você não tem dificuldades com o português do século 19, pode fazer a leitura online, na Brasiliana. O autor é o Joaquim Manuel de Macedo.
Veja que divertido como ele descreve o desrespeito à Constituição, em pleno império.
Ovo ou galinha? - Caso você goste de econometria, use um pouco de seu tempo para ver este meu artigo com Ari e Erik. Revisitamos um exercício que eu e Erik fizemos em 2011. A bem da verdade, ambos os artigos são bem-humorados e reproduzem, para o Brasil, um artigo (também bem-humorado), dos anos 80, feito com dados dos EUA.
A idéia (sim, com acento)? Testar, econometricamente, a pergunta: quem veio primeiro? O ovo ou a galinha? Com três tons de Granger-causalidade. Para quem não é familiarizado, Granger-causalidade é um teste surgido no contexto dos estudos de séries de tempo (dados que variam na dimensão do tempo). De maneira breve, se valores defasados de uma variável ajudam a prever a outra, diz-se que a primeira Granger-causa a segunda.
Claro que o divertido é usar isso para responder questões filosóficas com algum bom humor. Thurman e Fisher fizeram exatamente isto, em 1988, encontrando que ‘ovos (Granger-)causam galinhas’ para os EUA. Assim, eu, Ari e Erik, em 2011, investigamos o problema com dados do Brasil e, agora, com mais duas variantes do mesmo teste, seguimos mostrando ao mundo o quanto somos preocupados com profundas questões filosóficas (ou não).
Idéia para um curso virtual - Lendo este texto sobre haters, ocorreu-me que poderia mesmo existir um curso sobre o tema. Afinal, nada mais virtuoso do que ganhar uma grana às custas de haters.
Sindicato do Terror - Ou o ‘Terror dos Sindicatos’? Lugosi e Karloff em uma parceria não-usual… O texto foi uma dica do Cisco Costa.
Vida e Morte de Tanques Russos - Com engraçadíssima narração.
Trilhas sonoras - As músicas do filme Gordon’s War.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler!
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