As cinco leis fundamentais da estupidez humana - A pata do mico leão dourado (parte 2) - Outros.
Este número tem mais ou menos chalaça que os anteriores, Bill?
Bom dia/boa tarde/boa noite.
O v(3), n(21) desta missiva traz um comentário sobre as famosas (famosas?) leis fundamentais da estupidez humana, de Carlos Cipolla (sabe quem foi? Olha o ‘google’ aí…). Além disso, temos a continuação do conto A pata do mico leão dourado, cujo encerramento, creio, vai se dar no próximo número. Por fim, como sempre, há um ou outro tema adicional.
As cinco leis fundamentais da estupidez humana - Gustavo Franco comentou sobre as divertidas leis de Cipolla em Lições Amargas, um ótimo livro de ensaios de 2021, por sinal. Contudo, o leitor pode encontrar o livro de Carlo M. Cipolla, este historiador econômico, nas melhores livrarias do gênero. Acho que existe até online, free of charge, em inglês.
É que o livro é pequeno (daquela categoria de livros: ‘pequenos livros, grandes risadas’). Por aqui saiu pela editora Planeta (com apenas um erro, nem é de tradução, mas sim uma engasgada do datilógrafo em uma palavra qualquer).
As cinco leis? Estão na mão.
1a - Todo mundo subestima, sempre e inevitavelmente, o número de indivíduos estúpidos em circulação.
2a - A probabilidade de determinada pessoa ser estúpida independe de qualquer outra característica dessa pessoa.
3a - Uma pessoa estúpida é uma pessoa que provoca perdas para outra pessoa ou um grupo de pessoas enquanto não obtém nenhum ganho para si mesma, e possivelmente incorre em perdas.
4a - Pessoas não estúpidas sempre subestimam o poder de causar danos dos indivíduos estúpidos. Em particular, pessoas não estúpidas se esquecem constantemente de que em todo momento e lugar, e sob qualquer circunstância, lidar e/ou se associar com pessoas estúpidas resulta infalivelmente em um erro altamente custoso.
5a - Uma pessoa estúpida é o tipo mais perigoso de pessoa.
Corolário da 5a lei - Uma pessoa estúpida é mais perigosa do que um bandido.
As cinco leis são só o início das risadas. O melhor está por vir (eis um incentivo para você apreciar o uso de diagramas) no gráfico simples (reproduzido a partir da Figura 3 do original de Cipolla) que se encontra a seguir.
A explicação da figura? O eixo X mede os ganhos (se positivos) e perdas (se negativos) do indivíduo (ou de um grupo). O eixo Y é similar, só que para outro indivíduo (ou grupo). Cipolla frisa: pode-se medir ganhos e perdas em, por exemplo, unidades monetárias.
Um exemplo: se Claudio faz algo que gere ganhos para Paulo e perdas para si, ele deve estar na região V (que, na figura, está dividida em Ve e Vi…calma que já explico). O “V” é, então, o símbolo para ‘vulnerável’ ou, como Gustavo Franco nos lembra, ‘helpless’. Caso Claudio faça algo que gere ganhos para si e para Paulo, estamos na região I (‘inteligente’). Caso contrário, Cláudio está em E (‘estúpido’), já que gera perdas para si e para Paulo.
Mais ainda: se Claudio empreendeu uma ação que gerou ganhos para si e perdas para Paulo, ele é um ‘bandido’ (está na região que soma Be e Bi). Contudo, se sua ação gerou perdas para si e para Paulo, é um ‘estúpido’.
Bom, e esta reta de 45 graus, PM? Considere a região B. No caso em que a ação de Claudio resulte em mais ganhos para si do que as perdas de Paulo, ele é um ‘bandido inteligente’ (Bi). Contudo, se Claudio age e ganha menos do que Paulo perdeu, é um ‘bandido estúpido’ (Be).
Finalmente, análise similar vale para Ve (‘vulnerável estúpido’) e Vi '(‘vulnerável inteligente’). No caso em que Claudio faça algo que gere mais perdas para si do que ganhos para Paulo, é um Ve. Já no caso em que sua ação resulte em mais perdas para Paulo do que para si, é um Vi. Como destaca Franco, são “ingênuos, altruístas ou filantropos”.
Um ponto interessante da divertida teoria de Cipolla é quando ele fala de ‘sociedades de desempenho ruim’. Tanto nesta quanto em outras sociedades, o percentual de estúpidos (2a lei) é o mesmo. A diferença é que, na sociedade de desempenho ruim:
“a) Os membros estúpidos são autorizados pelos outros membros a se tornarem mais ativos e efetuarem mais ações.
b) Há uma mudança na composição da seção não estúpida com um declínio relativo da população nas áreas I, VI e BI, e um aumento proporcional da população das áreas VE e BE.” [Cipolla, C.M. As leis fundamentais da estupidez humana. Planeta, 2020 (traduzido da edição original de 2011), p.84]
O modelo de Cipolla não tem pretensões científicas, mas é ótimo para despertar reflexões (ou para, como fez Jonathan Swift em seu Viagens de Gulliver, colocar conhecidas figurinhas e desafetos em alguns dos quadrantes do diagrama…).
Um bom exercício, obviamente, é tentar interpretar alguns casos (fictícios ou não) em termos do gráfico. Tomemos, por exemplo, o famoso conto Teoria do Medalhão, de Machado de Assis (ainda se lê Machado no colégio?). Nele, o pai ensina o filho (alguns diriam: ‘educa’, mas não sei se todos concordariam com o uso do verbo neste contexto) Janjão a como se dar bem na vida.
Os conselhos são sempre na direção de sufocar a criatividade ou a originalidade. Recomenda, inclusive, que Janjão use frases feitas para que demonstre um conhecimento (que não possui) sobre este ou aquele assunto. Superficialidade e falta de originalidade são parte de seus conselhos. Janjão, suprimindo seu intelecto, estaria na região Ve, Be ou mesmo em E.
Uma sociedade de Janjões, creio, seria uma sociedade mais estúpida do que inteligente e, portanto, teria um desempenho medíocre…
p.s. Eu não concordo com a totalidade do argumento deste verbete da Wikipedia em língua portuguesa sobre o enredo do Teoria do Medalhão. Não vi, no conto, esta ‘lição de moral’ de que o que é ensinado é ser passivo diante da tradição. Parece uma tentativa de transformar Machado de Assis em leitura anti-tradição ou, melhor ainda, anti-conservadorismo. Ou pelo menos de um conservadorismo-espantalho criado pelo autor do verbete.
Discordo totalmente. Para mim, o conto mostra como um pai que vive em uma sociedade que valoriza o rent-seeking tenta ensinar ao filho como se dar bem. Leia você mesmo e tire suas conclusões.
p.s. Uma tradução alternativa, bem livre, de rent-seeking seria: “sociedade que valoriza a busca de privilégios gerados pelo governo” , mas o pessoal chama de ‘caça/busca de renda’ que, sim, não ajuda muito na compreensão do problema…
A pata do mico leão dourado - Com você, a segunda parte de A pata do mico leão dourado, minha versão modificada de A pata do macaco, de W.W. Jacobs, iniciado no número anterior.
2.
A segunda-feira amanheceu quente em Ribeirão Preto. O sr. Silva acordou com o som do despertador do celular. Beijou a esposa e foi escovar os dentes. Encontrou o filho pelo caminho e cumprimentou-o.
Durante o café, o celular do Sr. Silva tocou. Antes que rejeitasse a ligação, viu que era do pessoal do sindicato e achou por bem atender.
“- Sim, sim…como? Não…não pode ser. Meu Deus…claro, claro que posso. Pelo menos em memória dele. Sim, estarei aí às oito. Até mais.”
A sra. Silva e o filho, Luiz iam lhe perguntar o que teria ocorrido quando ele, agora bem mais branco e trêmulo, disse:
“- Era o pessoal do sindicato que trabalha no gabinete da prefeitura. Parece que o Zeca, o prefeito, foi pego com armas e dinheiro na cueca em seu gabinete. Resistiu à prisão e foi morto. Pior é que o Celsão estava por lá e virou vítima de bala perdida. O pessoal está preocupado com o vazamento do caso para a imprensa e como o vice-prefeito morreu mês passado e os outros na linha sucessória estão doentes, estão pedindo para eu ficar de interino…”.
- Meu Deus, querido, que horror…
- Pai, eu tenho que ir trabalhar. Puxa, não fique assim. Celsão era gente boa…
- É, eu sei… - respondeu o sr. Silva incomodado. As sensações de tristeza pela tragédia e de alegria por ter seu desejo realizado se misturavam de uma forma nada agradável.
Os dias se passaram, e Silva (agora sr. prefeito Silva), era consumido pela dúvida: teria sido coincidência ou o desejo teria sido atendido? Lembrou-se do alerta de Celsão e, imediatamente, fez o sinal da cruz do qual ainda se lembrava apesar de anos de ateísmo.
Com a prefeitura nas mãos, Silva fez o que sempre quis: manipular interesses políticos afim de alavancar sua carreira. Se já tinha gosto pela coisa, imagine com algum poder? Lord Acton já disse: todo poder corrompe e todo poder absoluto corrompe absolutamente. Aos poucos, comprou juízes e deputados e permaneceu no cargo até o final do mandato.
Aos poucos esqueceu-se da tristeza com a tragédia e voltou a pensar em um segundo desejo. Os meses se passaram e chegou a época das eleições. Não contou nada à esposa, mas, em uma noite, recorreu novamente à pata do mico leão dourado.
“- Quero ser governador!” - exclamou, agora em um tom mais convicto.
Novamente, sentiu a pata tremer, mas, desta vez, não a jogou fora. Olhou-a com carinho e guardou-a no bolso.
Na manhã seguinte, acordou e notou que a esposa não estava ao seu lado. Achou que iria encontrá-la na cozinha, mas apenas Luiz, o filho, estava ali.
“- Cadê sua mãe, filho?
- Pai…
- Que foi, Luiz?
- Olha a TV… - disse o filho, visivelmente alterado”.
No noticiário, a manchete era que o governador, do mesmo partido de Silva, havia sido pego em seu gabinete vendendo favores a empreiteiros. Junto com ele estavam o presidente da assembleia e alguns outros membros da cúpula do partido, alguns, antigos amigos de sindicato.
“- Oi querido.” - disse a sra. Silva, chegando da rua com pães de sal.
- Oh, você está aí…
- Sim, saí mais cedo para comprar pães.
- Sim, sim. Bem, tenho que ir para a prefeitura…”
Antes que encerrasse a frase, o celular tocou. Os deputados e os políticos do partido pediam-lhe que assumisse interinamente o cargo. A imprensa, sempre tão crítica destas medidas extraordinárias, estava estranhamente calada. Os juízes, que já estavam em sua folha de pagamento informal, não interviram e assim o segundo desejo de Silva foi realizado.
(não perca a eletrizante (eletrizante? Sério?) conclusão deste conto no próximo número!)
Inflação e HQs - Não que alguém fez uma análise idêntica à minha? Bem, eu fiz o vídeo em 2014. O texto dele é de 2021 (uma versão atualizada de um texto de 2020).
Não sei se fui sua inspiração, já que não há uma citação direta ao vídeo, mas ele, inclusive, traz um documento da editora Abril que falava do código que colocavam no lugar dos preços. Era algo que eu lamentava não ter (creio que falo isto no vídeo).
Caso você goste do tema, aí está.
Fome - A culpa da fome é sua. Ou do Orlando. Leia lá na Crusoé da semana. Aliás, este número em si, está cheio de bons ensaios dos colunistas/convidados…
Ceará contra 007 - Encerramos com a abertura da novela da antiga TV Record, Ceará contra 007.
Chegamos ao fim de mais um número. Até lá, saúde e paz (e vida longa e próspera).
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
Caso queira compartilhar, clique no botão abaixo.
Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico duas vezes por semana, geralmente às quartas e sábados. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00 + valor do seu tempo para apertar o botão subscribe com seu endereço de e-mail lá…) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.