A sala de aula e o professor Roy - Conserva - O rato que ruge - Vovó felina - Anúncios
Rúqui tentou socar o goleiro do Flamengo e, como sempre, fez-se de bobo. Há juízes e juízes.
Este é o v(4), n(47) e ele não tem crise de identidade.
A sala de aula e o Professor Roy - Roy veio ao Brasil em um convênio de universidade pública para ministrar aulas sobre análise de mercado, empreendedorismo e coisas assim. Os anos 90 foram generosos com ele. Seu salário era razoável e seu português melhorou rapidamente com as aulas.
Depois do Plano Real, Roy resolveu mudar de ares. Na universidade pública, por algum motivo que ele não entendia bem, o clima se radicalizava com manifestações contrárias a qualquer disciplina que ensinasse técnicas úteis para uma promissora inserção no mercado de trabalho. ‘Matemática Financeira’? Nada mais do que um ensinamento ‘técnico’, que não questionava os fundamentos da sociedade. ‘Cálculo”? Alienador, já que não discutia os fundamentos de uma economia colonizada.
Roy, que se educou em um ambiente verdadeiramente plural, via naquilo uma limitação desnecessária, talvez até um revés na formação daqueles que mais precisam de bons conhecimentos: os alunos de origem humilde. Chegou a falar sobre o tema no colegiado, mas os melhores professores, já velhos, estavam em minoria (muitos se aposentaram) e ele chegou mesmo a ouvir uma ameaça verbal de um professor mais jovem, que o acusou de várias coisas, nenhuma das quais se encaixando em seu histórico de vida sempre pautado por um humanismo apaixonado.
Semanas depois, arrumou emprego em uma faculdade privada que lhe prometeu uma atenção maior à formação dos alunos. Depois de uma aula-teste em que impressionou os avaliadores, Roy foi colocado em duas disciplinas transversais, servindo aos cursos de Economia e Administração. Os alunos, motivados, eram um insumo adicional para sua própria motivação (que já era alta naturalmente). Feliz com o novo ambiente, Roy até revisou suas aulas e preparou novos materiais.
Os anos 90 haviam sido bons para ele? Sim, mas o início do século 21 também foi um período de muita alegria. Roy, conhecido pelos alunos como ‘professor gringo Roy’, dividia opiniões: os bons alunos gostavam muito dele e os péssimos alunos odiavam-no. Os maus alunos - os que não eram péssimos - dividiam-se pois vários deles aprendiam muito em suas aulas. Na média, Roy se saía bem.
Havia algo de interessante em suas aulas. Segundo me contaram alguns ex-alunos, ele criava atividades diferentes, que realmente estimulavam e desafiavam os alunos. Vários deles, que sempre diziam que adoravam desafios, tinham, com o professor gringo, a chance real de serem desafiados. Em algumas turmas, ele até trocava as avaliações por trabalhos, sempre com a aprovação da coordenadora do curso.
O leitor deve imaginar que Roy seguiria neste ritmo até o zênite, o ápice do Olimpo ou algo assim, não é? Só que não foi bem assim. Roy não mudou, mas a maioria dos gestores do ensino brasileiro, insistindo em métodos ineficazes, apenas pelo apego à ideologia, unido com a desistência dos bons gestores em trazer inovações pedagógicas (alguns eram até perseguidos por sindicalistas mais violentos) teve um aliado inesperado na piora do sistema educacional: a digitalização da vida.
Tecnologia, meu amigo leitor, é sempre algo desejável. O que não quer dizer que seu uso deva ser indiscriminado, sem regras. Se não existe um manual de uso, rapidamente o ser humano cria um, já que a tecnologia vem mesmo para ajudar e ninguém quer renunciar a ela. Entretanto, entre o momento da adoção da tecnologia e o da finalização de um manual existe um período de experimentação que, em alguns casos, não envolve apenas o criador da inovação.
Foi assim que Roy se viu diante de uma geração de alunos que desprezavam lápis e caderno e, ao mesmo tempo, também não usava os laptops, os tablets e os celulares como ferramentas para aprenderem. Não, eles os usavam para se divertir com outros conteúdos (futebol, vídeos curtos etc.). Anotar a aula passou a ser uma fração mínima do uso destes aparelhos. Preocupado, Roy falou com a coordenadora em várias ocasiões e até conseguiu que os alunos assumissem um compromisso com ele de se esforçarem para fazer bom uso de seus ‘brinquedos’.
Aliviado, seguiu com suas aulas, mas começou a notar que um número maior de alunos, principalmente os mais jovens, estavam mais apáticos. Nem a um cumprimento simples como um ‘bom dia’ respondiam mais. Outros, entretidos com outras atividades, passavam a aula usando os aparelhos eletrônicos para outros fins, rasgando o acordo firmado com o professor.
Em qualquer lugar do mundo, inclusive ali, isto seria um sinal de problema e Roy sabia disso. Tanto que levou sua preocupação para a coordenadora, mas, desta vez, a conversa teve um tom melancólico. A coordenadora lhe descreveu um cenário sombrio, pois não só Roy, mas outros professores haviam-lhe relatado casos idênticos em suas turmas.
Roy ficou aturdido e ansioso. Confiando em sua experiência, voltou para casa e pensou em alguns outros modos de lidar com a nova situação. Era um lutador este nosso professor. Desafiado, buscou mudar suas aulas, mas notou que teria que enfraquecer alguns dos princípios básicos da correta convivência da sala de aula, mas assim foi feito.
Passaram-se mais alguns anos e a situação piorou. Por algum motivo, o desinteresse aumentou. A outrora criatividade do aluno brasileiro parecia ter dado lugar a uma opaca participação em sala de aula. A motivação, que anda de mãos dadas com a criatividade, parecia morrer, agonizando, a cada início de aula. Roy trazia temas atuais, problemas do dia-a-dia, mas nada parecia ser capaz de fazer com que seus alunos se entusiasmassem.
A coordenadora havia se demitido e o novo coordenador havia perdido as esperanças em qualquer possibilidade de mudanças, dedicando-se a outras pautas que não tinham muito a ver com o ensino. Roy se lembrou de sua antiga pátria, mas havia se apaixonado pelo Brasil e pelo seu local de trabalho. Talvez mais do que deveria? Quem pode dizer qual é o limite? Talvez nem Deus saiba. Afinal, como debateram Einsten e Bohr, sabe-se lá se Deus joga dados? Roy sentia que sua vida é que parecia cada vez menos certa e mais aleatória, mais dependente dos dados divinos... As frustrações se acumulavam, mas ele perseverou.
Certo dia, pouco tempo após me formar, passei por sua sala de aula, lembro-me bem. A porta estava aberta e pude vê-lo olhando para o infinito, com um sorriso no rosto, calado, enquanto mais da metade da turma conversava sobre outros assuntos. Talvez ele estivesse apenas usando a velha tática de pedir silêncio à turma com o seu próprio. Ou talvez estivesse mesmo pensando em algo mais profundo, perdido após tantas batalhas.
Pensei em chamá-lo e cumprimentá-lo. Afinal, foi um dos meus melhores professores! Pensei, mas desisti. Algo em meu coração fez com que eu me segurasse. Talvez meu querido professor Roy estivesse prestes a usar de alguma estratégia nova e divertida para chamar os alunos de volta à aula. Ou talvez tivesse sido orientado a não fazer nada, apenas esperar e tentar, no tempo restante, falar de algum tópico da disciplina. Nunca pude saber como aquela aula terminou, pois um amigo me chamou e fomos embora.
…
post-scriptum: Vi um senhor andando com dificuldades na calçada perto de meu local de trabalho, hoje. Dez anos se passaram desde que escrevi em meu diário estas anotações. Pareceu-me ser o professor Roy. Chamei-o pelo nome e tive a feliz surpresa de arrancar dele um sorriso e um aceno de mão. Carregava uma pequena valise preta. Não vi nele, contudo, aquele brilho nos olhos de quando nos ensinou os fundamentos da Administração. Era um sorriso sem brilho, quase protocolar e, talvez, um pouco triste. Aquilo me deixou tão incomodado que, novamente, não consegui ir ter com ele. Espero, um dia, ter a oportunidade de corrigir isto. Ou talvez nunca mais consiga dizer-lhe o quão bom ele foi para mim.
Conserva - Quem não é conservador, é destruidor. Quem não é progressista, é regressista ou inercialista. E é assim, nestes chavões nem sempre muito esclarecedores sobre se vamos ou não aumentar a coerção do estado (daquele que está por lá, na ocasião) sobre a sociedade (menos os amigos do dito cujo).
O rato que ruge - Tem para comprar ou alugar, no Prái-mi, o clássico de Peter Sellers, O Rato que ruge. A história: um pequeno país, um verdadeiro enclave no meio do continente europeu, próximo à França, mas de origem inglesa, Grand Fenwick, vive de exportar seu vinho para os EUA até que uma produtora californiana resolve plagiar o nome do vinho e vender o seu mais a preços menores, causando uma crise no país.
A solução? O primeiro-ministro vende à rainha e aos dois partidos (o seu e o da oposição) a idéia de que deveriam entrar em guerra com os EUA, pois, perdendo, receberão ajuda da super-potência. E é assim que se inicia a história em que, inesperadamente, Grande Fenwick ganha a guerra, causando, como dizem os narradores da TV, ‘muita confusão e diversão’. O filme não tem 90 minutos e é, realmente, divertido.
Vovó felina - Eis uma historinha curtinha.
No “Mercado Novo”, localizado no centro da capital mineira, existe uma tolerância saudável com os nossos amigos felinos (ou melhor, nossos ‘miaumigos’). Não sou assíduo frequentador, mas, por sugestão, fui lá, no sábado. Meu objetivo principal era almoç…não, não. Vamos corrigir isto aqui. O meu objetivo era rever a miaumiga da foto, com a qual já tinha interagido, creio que há um ano.
Como costumo fazer, aproximei-me sem movimentos bruscos e ofereci-lhe a mão. A vovó felina me cheirou e fui aprovado. Logo, logo se deitou de barriga para cima e aceitou meu carinho e, como fazem alguns gatos, convidou-me para acompanhá-la até seu comedouro e bebedouro que fica próximo à esta caminha que lhe fizeram. Assisti pacientemente lamentando-me sobre o porquê de eu não ter alguma ração fácil, no bolso, para lhe dar. Enquanto eu me culpava, a minha amiga veio e se enroscou em minhas pernas (eu estava de cócoras) e devolvi-lhe o carinho.
Sacrifiquei meu almoço: escolhi sentar-me em uma choperia da qual podia admirá-la de uma distância pequena e pedi uma porção de fritas. Mais tarde, em casa, eu terminaria esta saudável refeição com uma porção de quibes. Valeu à pena? Valeu.
Anúncios - Aí vão:
Lançamento de livro em 13/11 com um capítulo meu e de Marília Rodrigues.
Palestra dia 14/11, em BH, sobre o Plano Real e as moedas digitais.
Muito bom, não? Eu acho.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico geralmente às quartas. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00 + valor do seu tempo para apertar o botão subscribe com seu endereço de e-mail lá…) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.
Bloody good and nostalgic.