A pirâmide de cristal, o dragão de jade, os cavaleiros da Tessália, os hunos (e os huguenotes) e os javalis dourados...
...não compõem o conteúdo deste número da newsletter.
Olá! Chegou o v(2), n(73) da news. Parece que tudo continua como antes no país.
200 anos - Existe um país independente há 200 anos. Bem, de 1500 até 1822 foram 322 anos. De independência, 200. De república, 133 anos. Escolha sua data comemorativa. Uma fusão de culturas nem sempre feita de forma pacífica (como em qualquer lugar do mundo, é bom frisar). Certo é que não existiam bons selvagens por aqui, vivendo em paz e harmonia até a chegada dos portugueses, como sabe qualquer estudante sério de História.
Ao longo dos anos forjou-se essa tal identidade nacional que, se você pensar bem, nunca está consolidada (ou você não se lembra de Oliveira Vianna desesperado com os imigrantes japoneses?). Por exemplo, agora temos uma geração de venezuelanos que fogem do pesadelo socialista em seu país para tentar a vida aqui. Serão parte do país de forma mais consolidada em algumas gerações.
O impacto da imigração sobre o bem-estar do país, acredito, é, em seu efeito líquido, positivo. Não, não fiz uma revisão sistemática da literatura (e muito do que se diz sê-lo não passa de uma mal disfarçada picaretagem), nem vou citar este ou aquele artigo científico famoso. É uma intuição mesmo. Engula essa, leitor. Sou como um Zagalo em momentos de mau humor e este, obviamente, é um deles.
O Último Trem de Hiroshima - Comprei, em um sebo, este livro de Charles Pellegrino, lançado em 2010 por aqui. Foi-me indicado por Anny Manrich (em um comentário durante minha visita ao FiBoCa, como já dito em número recente desta newsletter). Ela comentou que não aguentou ler o livro todo. Após terminar o primeiro capítulo, entendi o porquê. Você precisa ter muito sangue frio para passar pelas primeiras vinte e uma páginas do livro. O autor descreve mortes e mortes com um tom propositalmente acadêmico, científico e você percebe o horror da bomba atômica em detalhes (e quase em câmera lenta).
De certo modo, lembra o que Jonathan Swift fez em A modest proposal para ironizar o uso da linguagem científica. Só que o horror causado por Pellegrino parece-me muito maior. Talvez por não ser uma crítica à ciência como a feita por Swift (que era religioso e vivia na época da revolução científica e queria dar um tom satírico à sua infame proposta). No caso do livro de Pellegrino, a descrição quase em câmera lenta e pormenorizada da destruição de corpos humanos tem um efeito que não nos faz rir.
É, de fato, um livro para quem tem estômago. Continuarei sua leitura nos próximos meses. Quero vencer a amiga Anny e ir até o fim. Não que eu tenha estômago forte ou algo assim, mas porque lembro do que minha avó me disse quando, em 1986, voltou de uma viagem à sua terra natal - Hiroshima - após tantos anos. Presenteando-me com um livro sobre a destruição, disse-me: tome este livro. Mostre para quem puder. As pessoas precisam saber o que aconteceu.
Ok, ela nunca falou um português tão claro, mas foi esta a mensagem. Até hoje tenho o livro e já pensei muitas coisas sobre a bomba atômica e tudo o mais. Mas pouca gente viu o livro. As fotos, claro, nem sempre são belas, o que explica, parcialmente, porque não o mostro a qualquer um.
Pensa numa mulher bonita… - …e agora olha como Apuleio se expressa, em O Asno de Ouro, sobre a bela Psiquê: “(…) para celebrá-la com um elogio conveniente, era pobre demais a língua humana.” [Apuleio. O Asno de Ouro (livro quarto), p,171, edição bilíngue da Editora 34 (2019)]
A língua humana não exclui nenhum ser humano, o que torna o elogio, obviamente, universal. Taí, achei um belíssimo elogio. Uma rápida pesquisa pela internet, posterior à manufatura deste trechinho, mostrou-me que há mais gente que comenta sobre esta singela frase. Bom, eu nunca prometi ineditismo em minha admiração pelo que é belo.
Gatos - Ok, é um tema que me traz algum conforto. Esta belíssima edição da Editora Urso (deixa a Úrsula, minha afilhada, saber disto!) não tem mais de 101 páginas com contos japoneses, chineses (e um coreano) sobre…gatos.
Claro que os amigos do FiBoCa (não falo mais deles aqui, passamos da cota…) vão dizer que chinês, japonês e coreano são ‘tudo a mesma coisa’ e, em minha visão pouco afeita aos conflitos, eu até acho que são mesmo, mas a história nem sempre nos permite uma convivência pacífica. Feridas que, obviamente, cicatrizam. Contudo, lembre-se, são feridas.
O simpático livrinho é dividido em três seções: (1) Amigos bichanos, (2) Gatinhos malvados e (3) Outros felinos. Claro que será de rápida leitura - e claro que já comecei a ler porque, bem, contos curtinhos e bons são como pequenos goles de sakê: aquecem a alma (no exato momento em que encerro isto, ouço Wakare no Asa (別れの朝), na versão do grupo “Pedro & Capricious”, o que dá um sabor levemente alcóolico ao parágrafo).
p.s. eu o terminei mais cedo, na lavanderia.
Posso pegar na sua mão? - Foi em um dia sem trabalho. Um feriado, creio. Estava só, em casa. O tédio só não o venceu totalmente porque ainda conseguia respirar. Já a televisão, suprema deusa de seu lazer, permaneceu desligada. Talvez fosse temporário, mas nem para consultar os filmes no cinema ele se animou. Caminhada? Por pouco não ficou na cama…
Com este desânimo tão presente, resolveu, à tarde, dormir um pouco, num esforço de trazer de volta seu ex-amigo, o sono. Funcionou parcialmente. De pé (ou melhor, sentado), tentou se distrair ouvindo algumas músicas. Os amigos, bem, os amigos tinham seus próprios problemas ou programas para o dia que, não falei, era belamente ensolarado.
Abriu a gaveta da escrivaninha e lá estava o charuto dominicano. Em raras ocasiões em que precisava se acalmar e pensar na vida, recorria aos charutos. Desta vez, contudo, o desânimo vencia até mesmo a batalha do vício. Ironicamente, isto iria lhe fazer bem, embora a saúde não fosse sua preocupação primordial.
Escolheu um dos livros cuja leitura havia interrompido. Concentrado, só muito tempo depois percebeu que havia passado apenas um café e que havia se esquecido do almoço. Surpreso, viu que o sol já começava a se despedir. O tédio havia lhe imposto uma derrota acachapante. Geralmente ele murmuraria algum xingamento, mas não naquele dia, reforçando a vitória do tédio. Mesmo o livro não lhe deu o prazer habitual.
Foi então que se deu conta de que seu encanto havia terminado. O que lhe fazia se sentir único e interessante aos seus olhos e aos dos demais, aquela chama que cada pessoa tem dentro de si, sua individualidade, bem, ela havia se apagado. Pensou, então, que o tédio era como um líquido, previamente contido em um recipiente que, agora, havia sido destampado, contaminando todo seu ser, afogando o que tinha de bom.
A descoberta de que não tinha mais individualidade não o irritou tanto quanto deveria, mas, sedado pelo desânimo, o máximo que fez foi elevar a sobrancelha de um dos olhos (acho que foi a do esquerdo, mas não lhe perguntei já que, obviamente, isso tudo é ficção).
‘- Posso pegar na sua mão?’
Ouviu e ficou na dúvida se ele mesmo havia dito aquilo. Olhou para os lados constatando que estava só. Quando começava a retornar ao seu estado tristemente letárgico, a voz insistiu.
‘- Posso pegar na sua mão?’
O tom era gentil. Notou que a voz não era mesmo dele. Afinal, um ser sem individualidade não teria mesmo uma voz interior. Como não havia bebido e nem fumado seu charuto (e como não fazia uso de drogas), pensou que realmente havia chegado o momento que tanto temia: o da loucura.
Mesmo não vendo ninguém, sentiu que algo tocava sua mão direita de forma suave. Sentiu espanto e conforto ao mesmo tempo. Uma estranha sensação de tranquilidade se espalhou por todo seu corpo, embora parecesse se concentrar na região do ventre.
Levou as mãos à barriga e teve a impressão de sentir a pequena mão invisível acompanhando-o. Uma energia intensa parecia pulsar dentro de si. Sentiu que a mão invisível apertava a sua.
‘- Não me solte!’
Sem saber o que fazer, manteve-se imóvel. Tudo aquilo pareceu durar apenas uns minutos. Intenso, porém breve. Aos poucos, sentiu a energia se dissipar, como que escapando pelos poros da pele. Uma sensação de formigamento percorreu-lhe todo o corpo.
A mão invisível ainda parecia segurar a sua, mas com menos força.
‘- Obrigado por me deixar segurar sua mão’.
Notou que tudo parecia ter voltado ao normal. Ou quase. A bem da verdade, o desânimo havia diminuído bastante. Sentiu-se novamente especial. Sorriu um sorriso de serenidade. Gargalhou alto e gostou da sensação. Abriu a janela e o céu lhe pareceu o mais lindo que já vira em toda a sua vida! Tinha que dar uma volta! Respirou fundo, pulou da janela, bateu as asas e voou.
A rainha - Que história, meus amigos!
Música - Este ótimo blogueiro comenta uma bela melodia da MPJ (o nome que dou ao kayou (歌謡), que engloba Enka (演歌), J-pop e outros estilos). Trata-se de Hajimete no Machi de(初めての街で). Cantada por Sachiko Nishida, o post nos leva a duas versões gravadas da melodia (uma para um comercial e a outra, regular) nas quais apenas o arranjo muda. Não sei qual das duas você prefere, mas eis minha contribuição: a terceira versão, gravada em 2009 pelo nipo-americano Jero. O cantor tem uma ótima voz e o arranjo da música ficou do meu agrado (e, espero, do seu também).
Jero é muito bom. Nestes dois discos de Covers eles nos dá ótimas releituras de sucessos da MPJ. Procura aí que valem a pena.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler!
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