A pata do mico leão dourado
Tony puxou o revólver, apontou para John e, sanhudamente ameaçou plantar-lhe três balas entre os olhos, caso não comesse alguns pedaços de eucalipto.
No v(3), n(20), pela primeira vez, um conto que continua no próximo número, ou seja, sábado (é, agora virou folhetim mesmo). É minha versão do clássico A pata do macaco. Obviamente, não sou nenhum W.W. Jacobs, mas fiz uma descontraída versão abrasileirada do famoso conto de terror.
Ah, claro, outros temas estão por aqui também. Espero que goste.
A pata do mico leão dourado - Uma versão modificada de A pata do macaco, de W.W. Jacobs.
1.
Fazia um calor infernal em Ribeirão Preto, mas na casa do casal Silva o ar-condicionado ainda conseguia tornar a sensação de calor menos intensa. Pai e filho jogavam truco enquanto a Sra. Silva fritava uns bolinhos de feijão que comprara mais cedo no mercado.
O Sr. Silva já perdia a terceira partida para o filho Luiz e nada parecia mudar sua sorte no jogo. De fato, o rapaz era talentoso.
“- Puxa! Assim não dá! Este moleque ganha tudo!
- Pô, pai, e o espírito esportivo?”
A Sra. Silva, acostumada com as noites de jogos, interveio:
“- Gente, mais amor!”
O pai não aguentava mais ouvir este ‘mais amor’ nas frases da esposa, mas antes que pudesse dizer algo, ouviu o barulho de alguém batendo palmas no portão. Era o colega do sindicato, Celso, que havia acabado de voltar de viagem do Rio de Janeiro.
“- Fala, Celsão!
- Fala, seu Silva!
- Como foram as férias na Mata Atlântica?
- Ih, olha…
- Querida, sabe que conheço o Celsão aqui há uns 20 anos, né? Desde quando ele trabalhava lá em São Bernardo.
- Sim, querido…”
O sr. Silva ficava sempre feliz quando recebia amigos em casa. Celsão era um deles. Foram colegas na indústria automobilística no ABC paulista por anos, onde desenvolveram uma amizade duradoura.
“- Celsão, o que achou da Mata Atlântica? Muita beleza natural?
- É, foi normal.
- Homem de Deus! O que é isso! Fala como se tivesse ido até a padaria da esquina!
- Sabe, Silva, é que aconteceu algo muito estranho lá. Melhor ficar sentado.
- Opa, o famoso ‘senta que lá vem história…”.
Apesar do tom informal do sr. Silva, Celsão não sorriu. A testa franzida anunciava ao velho amigo uma certa preocupação. Silva conhecia o amigo e resolveu não continuar com o tom efusivo.
“- Sabe, Silva, lá na Mata Atlântica encontrei um índio velho, um pajé…
- Ora, que exótico! Conte-me mais…
- Não sei, acho que não vale a pena.
- Celsão, vamos lá, não fique assim, rapaz. Não pode ser algo tão ruim. Desabafa pro seu amigo!
- É que o índio me deu uma pata de mico leão dourado.
- Uma pata de mentira?
- Não, uma pata de verdade mesmo, mumificada.
- Uau!”
Neste momento, a sra. Silva e o filho, até então distantes da conversa, olharam curiosos para Celsão.
“- Senhor Celso - disse a sra. Silva - que fato curioso. O que o senhor fez com a pata?
- Está bem aqui, comigo - respondeu baixinho.
- Ora - disse o filho, curioso - podemos ver?”
Celsão tirou da mochila a pata. Embora a sra. Silva tenha olhado com nojo, pai e filho se mostraram curiosos.
“- Tá, Celsão, na boa, o que tem esta pata de tão especial?
- Parece que o pajé de que lhe falei colocou um feitiço nela…
- Lá vem você com fake news, né…
- Juro, Silva, é verdade!
- Que é isso, companheiro? Deu para acreditar em pajés agora?
- São representantes da cultura nacional - disse o filho, todo cheio de orgulho do que aprendera na aula de história.
- Sabe, Silva, a pata atende três desejos…
- Pois, Celsão, você não mudou nada…
- Juro, Silva! Eu mesmo pedi…
- Pediu…?
- Não quero comentar, mas o fato é que a pata realizou os três desejos. Só que… - Celsão hesitou - …eu…
- Pô Celsão, se você já gastou aí, libera a pata pro seu amigo!
- Silva, você não vai gostar. Não vale a pena.
- Tô te achando muito religioso. Que é? Pecado? Você era ateu, ué?
- Silva, me ouve…não vale….
- Dá para mim?
- Eu, eu…olha, sou seu amigo, mas, por favor, joga isso fora. Não existe almoço grátis. Tudo o que você pedir tem um preço…
- Justo, Celsão. Assim que a gente ascendeu no sindicato, né?
- É, mas, você não entende… - Celsão suava, o que foi interpretado por Silva como calor. Discretamente, sinalizou para que a mulher aumentasse a potência do ar condicionado.
- Ok, Silva, toma. Só, por favor, prometa que não vai fazer besteira. Quero ficar livre disto logo!
- E como pede pro mico?
- Segure-a na mão direita e diga o desejo em voz alta.
- Entendi.
- Por favor, Silva, o preço que se cobra…
- Tá, você tá incomodado? Eu fico com ela e prometo ser prudente!”
Celsão, com alguma relutância, deu a pata para o amigo que até tentou lhe pagar, mas ele recusou. Ficou um pouco mais, pois o torresmo da sra. Silva era famoso, quase lendário. Tomou alguns copos de cerveja e, com alguma pressa, despediu-se da família. Logo depois, Luiz, o filho, beijou os pais e foi dormir.
À noite, na cama, o casal conversou sobre o exótico tema.
“- Silva, Celsão era tão bacana, porque esse papo religioso agora?
- Vai saber. Talvez tenha se influenciado pelo papo do pajé. Este povo faz de tudo para ganhar uma grana.
- Este povo originário.
- Originário prá você, mulher. Sabe-se lá quem existia aqui antes disso?
- Silva, Silva…mas, fala, querido, será que este negócio de desejo funciona?
- Sei lá, né? Posso tentar, né? O não já tenho. Posso partir para a humilhação…
- Não brinca com estas coisas, Silva…
- Mulher, você me conhece. E são três desejos. TRÊS, ouviu bem - frisou o sr. Silva. Sou muito esperto. Posso usar um para testar e depois eu vejo. Na pior das hipóteses, vendo esta pata nestas plataformas online…
- O Celsão estava tão preocupado…
- Olha, vou fazer um pedido simples.
- Cadê a pata?
- Deixei em cima da geladeira, do lado do pinguim.”
Depois que a sra. Silva dormiu, o sr. Silva foi até a cozinha, pegou a pata com a mão direita. Sentiu um frio na espinha. Lembrou-se da palestra no sindicato, sobre pensar fora da caixa, não se limitar pelas restrições e, quando se sentiu confiante, falou em voz alta (mas não tão alta que acordasse a família e os vizinhos):
“- Eu quero ser prefeito desta cidade!”
Sentiu a pata tremer e jogou-a ao chão assustado. Ficou por uns instantes olhando para a pata. Aproximou-se, pegou-a e viu que não vibrava. Pensando ter testemunhado uma ilusão, colocou-a sobre a geladeira e foi dormir.
(continua no próximo número)
O paper do Piketty & Saez estava errado? - Sim. Dá uma olhada na sequência do Vincent Geloso.
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Ótimas dicas para quem escreve - Digo mais: …escreve sobre qualquer coisa.
Em especial, este trecho de uma das respostas dele na entrevista.
Most articles and stories are improved significantly if you delete the first page of the manuscript draft. Immediately start with the action.
Separate the processes of creating from improving. You can’t write and edit, or sculpt and polish, or make and analyze at the same time. If you do, the editor stops the creator. While you write the first draft, don’t let the judgy editor get near. At the start, the creator mind must be unleashed from judgment.
To write about something hard to explain, write a detailed letter to a friend about why it is so hard to explain, and then remove the initial “Dear Friend” part and you’ll have a great first draft.
To be interesting just tell your story with uncommon honesty.
Muito bom, não? Vou experimentar algumas destas dicas. Mais um ótimo trecho:
The thing to remember when evaluating new technologies is we have to always ask “compared to what?.” Mercury-based dental fillings statistically caused some harm, but compared to what? Compared to cavities, they were a miracle. We tend to give existing technologies a pass from the degree of scrutiny we give new technologies. Social media can transmit false information at great range at great speed. But compared to what? Social media's influence on elections from transmitting false information was far less than the influence of the existing medias of cable news and talk radio, where false information was rampant. Did anyone seriously suggest we should regulate what cable news hosts or call in radio listeners could say? Bullying middle schoolers on social media? Compared to what? Does it even register when compared to the bullying done in school hallways? Radicalization on YouTube? Compared to talk radio? To googling?
Quem estuda Economia sabe que esta é uma pergunta muito importante…
Crie seu próprio país - Uma discussão (na verdade, a partir de 1:06:18 é que o tema aparece) entre Vitalik Buterin e Balaji Srinivasan sobre um dos meus temas favoritos: criação de instituições auto-sustentáveis.
Pois é, acabou. Sábado retorno com a segunda parte do conto e mais alguns outros comentários mais ou menos irresponsáveis.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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