Eis que chegamos ao v(2) n(30). O trigésimo número do segundo volume desta newsletter!
O autor que não tinha inspiração - O autor acordou e percebeu que não tinha mais aqueeeeeela inspiração. Tentou visualizar a ideia que tivera no dia anterior, sobre um possível conto com um papagaio e um português, mas percebeu que a brilhante epifania de antes agora lhe parecia uma piada sem graça.
“- Portugueses e papagaios, quem se importa com eles?”
Poderia ser culpa de alguma bebida alcóolica no jantar, mas ele não havia bebido nada além de um suco de uva. Ainda sonolento, levantou-se, escovou os dentes com um misto de raiva e frustração e quase quebrou um dente. Tentou praguejar algo, mas nem para isto estava inspirado. Só conseguiu pensar em um ‘seu bosta’. É, as coisas não estavam fáceis para o autor.
Enquanto preparava seu café, pensou em enviar uma provocação para seu amigo, o Sabino. Contudo, nada lhe ocorreu. Nem uma única piada. Entristecido, sentou-se e, enquanto tomava o café, olhou para a janela da sala. Tudo via, mas parecia que nada enxergava. O mundo definitivamente estava sem graça naquele dia. Nem os prédios do outro lado da rua lhe pareciam inspiradores…
Desconfiado, olhou para o calendário. Para sua surpresa, não era segunda-feira, notório dia internacional da falta de inspiração. Levantou-se preguiçosamente e notou que não estava muito inspirado nem para ler o jornal e, assim, sequer ligou o computador.
Abriu o armário e, já acostumado com sua nova falta de inspiração, pegou a primeira camisa que viu, o primeiro par de meias, as calças e vestiu-se sem muito entusiasmo. Nem lhe ocorreu pentear os cabelos. Definitivamente, aquele não era mesmo um dia inspirado.
Passando pela sala, encontrou seu gato, o James, que, deitado sobre o sofá, tinha uma expressão tão entendiada e sem inspiração quanto a de seu dono. Ouviu o autor um miado cordial e, lembrando-se do desjejum do bichano, prontamente reabasteceu o pequeno prato que improvisara para as refeições de James.
Enquanto o felino mastigava a ração, o autor dirigiu-se para o segundo cômodo de sua casa, aquele improvisado como escritório. Abriu um pequeno caderno para tentar rabiscar algo, mas a falta de inspiração…
Angustiado, olhou fixamente para o caderno, na esperança de que a inspiração entendesse a folha em branco como um convite. Ou talvez o caderno fosse uma armadilha de passarinho: uma vez lá dentro, a inspiração não fugiria mais. Tendo pensado nisto, até imaginou que a inspiração estivesse voltando, mas percebeu que a figura de linguagem nem era tão boa assim.
Passados uns cinco minutos, o desanimado autor rabiscou apenas uma sequência de “a” (aaaaaaaaaa), diagonalmente, numa folha aleatória do caderno. Enquanto começava a rabiscar uma sequência de “b” (bbbbbbbbbb) numa diagonal ortogonal à primeira, ligou a TV e o autor deu de cara com a notícia de que havia uma crise de inspiração no mundo e que as bolsas haviam caído.
Aparentemente, a crise teria começado no extremo oriente, na noite anterior. De alguma forma que ninguém conseguira explicar, a falta de inspiração teria se espalhado para todo o planeta, com variadas (e pouco inspiradas) consequências.
Ataques terroristas e guerras sofreram uma interrupção, tanto quanto a produção de filmes, livros e programas de televisão (ou de serviços de streaming). O jornalismo das mídias sociais apenas reprisava programas, já que ninguém tinha inspiração para nada.
Uma das últimas notícias - um arremedo de manchete - foi a de que alguns marqueteiros de Hong Kong pensaram em se matar, mas diante da falta de inspiração, permaneciam sentados, diante do repórter também pouco inspirado, suspirando, com visível desânimo.
O autor ainda tentou ligar para um amigo psicanalista, para ver se conseguia uma explicação, mas este, também vítima da falta de inspiração, não conseguiu pensar em nada e a conversa foi mais breve do que o usual.
E foi assim que o autor, sem inspiração, teve um dia estranho, acompanhado de todos os seus semelhantes do planeta (e também os animais, lembre-se do James). Embora pouca gente soubesse naquele dia, apenas os pés de manga estiveram inspirados. Este foi um mistério - descoberto algumas semanas depois, quando tudo voltou ao normal - que a ciência não foi capaz de explicar.
Bens privados e públicos…e patentes - O ótimo Anton Howes mostra um aspecto da economia política na Revolução Industrial. Veja só o trecho.
More than anything else, however, official support for using coal was almost entirely obsessed with the preservation of timber for ships. Just as today, politicians worried about short-term private interests conflicting with the long-term public good, and warned of impending doom if things did not change. Take one of the patents granted by Elizabeth I in 1589, “forecasting the great hurt and inconvenience that may befall this our said realm by the excessive spoil of timber and other woods”. If too many trees were cut for fuel for making iron, steel and lead, she warned, then they would never be allowed to mature into the timber needed for ships, leading to the decline of the navy — “the chiefest fortress” of the realm. The decay of timber, especially at a time when England was under constant threat of seaborne invasion, was an existential threat.
Em resumo: a madeira é um recurso escasso e com vários usos alternativos. O governo britânico, ciente disto, restringe seu uso para outros fins que não o de produzir navios. Pelo menos assim foi a justificativa da Coroa.
Os impactos de longo prazo? Há vários, inclusive alguns não-intencionais, como mostra o final do pequeno - e ótimo - texto.
An open question for me, however, is the extent to which government policy had any impact on the transition to coal. The 1589 patent for making iron with coal certainly failed to yield results. But might it have had a hand in the earlier domestic adoption of coal by ordinary London households?
Interessante, não? Ah, e a propósito, sim, eu acho que você deveria assinar a newsletter dele.
Epidemiologistas sérios - Há os que fazem de tudo para aparecer (ah, a política e seus benefícios…) e há os que, sem abrir mão da boa prática científica, tentam impedir que a epidemiologia seja usada para fins totalitários.
Eis uma reflexão necessária - E, curiosamente, esta não é importada para o debate nacional. “Curiosamente”, eu sei. Sabemos bem o motivo.
Fato! - Danesi, certeiro.
O Exterminador do Futuro - Matthew Yglesias disserta sobre a inteligência artificial, Skynet, Sarah O’Connor e tudo o mais.
Eis uma citação sobre as três leis da robótica direto do seu texto:
Asimov's Three Laws of Robotics make for good stories partly for the same reasons they're unhelpful from a research perspective. The hard task of turning a moral precept into lines of code is hidden behind phrasings like “[don't,] through inaction, allow a human being to come to harm.” If one followed a rule like that strictly, the result would be massively disruptive, as AI systems would need to systematically intervene to prevent even the smallest risks of even the slightest harms; and if the intent is that one follow the rule loosely, then all the work is being done by the human sensibilities and intuitions that tell us when and how to apply the rule.
É, a gente começa a pensar, né? As três leis da robótica, quando eu era mais novo, pareciam-me mais, por assim dizer, inabaláveis.
Hecateus, mundo pequeno, né? - É. Parece um ovo de codorna! Outro dia mesmo, veja você, descobri que estudei com o primo do Anaximandro…
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler!
Caso queira compartilhar, clique no botão abaixo.
Talvez você seja novo por estas bandas. Rapidamente: publico duas vezes por semana, geralmente às quartas e sábados. Eventualmente há algumas edições extraordinárias. Assinar (custo = R$ 0.00 + valor do seu tempo para apertar o botão subscribe com seu endereço de e-mail lá…) me ajuda bastante. A temática? De tudo um pouco. Confira os números anteriores aqui.