A Coisa das Causas - Pergunta - Inner Ring - Boteco's High Culture - Outros
Já viu uma galinhola? Eu não.
O v(4), n(4) está pedindo um guaraná com gelo porque nem a chuva ajuda. Aliás, ela pode atrapalhar, como acaba de fazer comigo, mas vamos ao que interessa.
A Coisa das Causas - “- É que”, disse-lhe com um tom de voz mais firme, “a coisa toda é saber não a causa das coisas, mas sim a coisa das causas”.
Ela sorriu, mas logo imaginou que seria um encontro inútil. O sujeito realmente achava que falava coisa com coisa (ou causa com causa)? Que papo era aquele de “a causa das coisas”? Acrobacias com a língua portuguesa? Sério? Ele também saberia engolir fogo ou ser lançado de um canhão até cair em uma rede?
Enquanto isto, Miguel, que estava na ofensiva, pensava desesperadamente no que iria dizer em seguida. Desde que ela chegou, há quase uma hora, naquele café de mesas e cadeiras sóbrias (“fosse um encontro em um boteco, talvez as mesas e cadeiras não só não fossem sóbrias, como também se movimentariam”, pensou), ele esgrimia tudo que era tipo de assunto para tentar atrair seu olhar.
“Seu olhar”. O quão clichê (ou cafona, ou ambos) é este tal “seu olhar”? Ainda assim, todos curtem a expressão. Tem algo de superficial e atrativo este tal de “seu olhar”. É como falar em “menina que dançava com lobos”, “menino que roubava livros de nazistas” ou, até mesmo, de “arado torto”. Voltemos.
Eu sei, você sabe, mas Miguel, bem, ele também sabe. Só que é um insistente, um sobrevivente, um ser vivente e, para as mulheres, um demente. Os minutos passavam devagar, talvez mais devagar do que o normal, para o ansioso Don Juán (que mais se parecia com um Dom Quixote).
“- Sabe, Miguel, acho que a gente já se conheceu, mas…”
- Calma, Louise. Você ouviu bem? Eu falei da coisa das causas!
- Sério, Miguel? Você sempre fala essas coisas sem pensar ou faz um esforço…
- Viu? Olha aí. O certo é: “fala essas causas”.
- Acho que vou pedir a conta, Miguel.”
O desespero que um goleiro das categorias de base, recém-aprovado no peneirão sente na hora dos pênaltis em sua primeira final de campeonato não era um décimo do que sentiu o sempre dramático Miguel. Assim que, claro, a ansiedade se esparramou em sua mente como uma verdadeira invasão da Normandia pelos aliados. Seu bom senso foi massacrado. Assim ele apelou:
“- A coisa das causas é muito mais importante do que você pensa! A ciência já mostrou que se não entendemos a ‘coisalidade’, não podemos falar sobre nada! Quer ir embora? Vá. Você irá, mas sem saber desta revelação. Logo você, que se descreveu no aplicativo como uma ‘leitora voraz’, uma ‘traça de livros’. Vai embora!”
A estratégia desesperada de Miguel surpreendeu Louise que odiava ser tratada como alguém com pouca curiosidade, obscurantista ou mesmo usuária de harmonização (como disse minha amiga Diana, “demonização”) facial.
“- “Coisalidade"? De onde você tirou isso, Miguel? Saiu na Nature?
- Agora você quer saber? Saiba que a coisalidade coloca a ciência de cabeça para baixo. O rei está nu, Louise.
- Aham, você tem 5 minutos, Miguel. 5 MINUTOS!
- Veja, Louise, segundo o doutor Bre…Bru…ah, é um cientista belga, tá? Como eu disse, segundo o cientista belga, todas as causas que imaginamos presentes nos fenômenos da vida, dependem das coisas. Sem coisas, não há como ter causas. Causa do quê, Louise? Das coisas, uai? Né não?
- Hum, até que…ah, Miguel, nem vem…
- Mulher, ouça-me! Não verás nenhum país como este…
- Ah, deu, Miguel.”
Foi aí que Miguel, de forma inesperada até para mim que escrevo isto (!!), jogou sua mão direita sobre a de Louise, que andava ali, titubeante, sobre a mesa. Um leve tremor foi sentido pela simpática moça que poderia estar assaltando, cheirando cola, mas estava ali, aguentando aquilo tudo ho-nes-ta-men-te.
O tremor, claro, muitas vezes é descrito pelos autores de romances eróticos (e outros romances também) como uma sensação de ‘descarga elétrica’. Não importa. O que importa é que aquilo perturbou Louise. Era para ela já ter enfiado uns vinte e tantos tabefes nas desavergonhadas bochechas daquele porco do Miguel. Quem diabos ele achava que era, afinal? Que papo é este de coisalidade? Ah, eu hein?
Ironicamente, entretanto, ali ela estava, imóvel, fulminando Miguel com um olhar realmente assustador. Um olhar que mistura o de Gengis Khan, após ter batido o dedão do pé na quina da mesa com o de uma esposa medianamente brava aos sábados, quando o marido reclama que ela demora para decidir que roupa usar no casamento da fulana. Eu não queria estar na pele do Miguel. Aliás, eu não estava porque estou aqui, escrevendo. O fato é que ele, para a surpresa de todos, ele a encarou como um monge Zen (ou outro monge, mas destes bem calminhos, em paz consigo mesmo). Nem uma piscadinha.
“- Miguel…?
- Sim, Louise?
- Paga a porra da conta e vamos para minha casa?
- Claro, Louise.
- Quero ver se você sabe mesmo da coisa das causas.
- Calças?
- Causas, Miguel. Porra, não estraga o momento!”
O garçom recebeu a conta. Pagamento no cartão (por aproximação). Miguel e Louise foram caminhando até o prédio dela que ficava a uns três quarteirões dali.
Pergunta - Quem cuida da vida alheia é cuidador ou um “alhienado”?
Inner Ring - O que é? Onde vive? Do que se alimenta? Ué, eu lá é que sei??
Boteco’s High Culture - Muito se fala em pensar fora da caixa (um exemplo perfeito disto é ser terraplanista). Pensar fora da caixa, sem critério algum, gera absurdos (sim, meu jovem adolescente, há, sim, absurdos, não dá para seguir todos os seus sonhos tais como eles surgiram).
O problema dos absurdos é que eles povoam o imaginário popular. Bem, isso, por si só, não é um probleeeema. Não, não. O problema não é imaginar um dragão. O problema é achar que o dragão existe e está ao seu lado na padaria comendo pão com manteiga enquanto solta umas labaredas.
O imaginário popular nos dá de tudo. O que cada um escolhe é um problema que cabe a você mesmo resolver.
Boicote a negócios de judeus - Nem preciso comentar o absurdo, preciso?
Previsões para energias renováveis - O último relatório da IEA, aqui. É bom estar por dentro destas tendências.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler! (*)
(*) “até mais ler” foi plagiado do Orlando Tosetto, cuja newsletter, aliás, você deveria assinar.
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