A caminhada - O homem do riquixá - Eu vivi para... - Ultraseven.
Problemas com sua vida? A senhora tentou tirar da tomada, aguardar 10 segundos, e colocar novamente?
Chegou o v(2), n(86) da news, após uma noite mal dormida. Parece que o guaraná funciona mesmo.
A caminhada - Saiu para caminhar e colocou sua playlist favorita. Com fones de ouvidos e óculos devidamente acomodados em sua cabeça, saiu em marcha forçada (ou se forçava, ou não caminharia nunca) sob o escaldante sol da manhã.
Subiu a rua até o parque e começou a dar voltas em seu entorno. As músicas lhe aliviavam um pouco a sensação de mormaço e faziam-no esquecer do tempo. Havia reservado uma hora para seu exercício e assim foi feito.
Começou uma marcha mais lenta, no caminho de volta. Sem que percebesse, a playlist passou a tocar músicas dos anos 70 e 80, quase que exclusivamente. Foi então que viu, andando em sentido contrário, na mesma calçada, uma figura familiar. Muito familiar mesmo. De fato, notou que ele também o encarava com curiosidade.
Quando chegou mais perto, notou que o jovem carregava uma mochila verde anormalmente grande para alguém de sua altura. Uma mochila que, na sua adolescência, ganhara o apelido de ‘mochila pára-quedas’. Foi então que parou de caminhar e quase desmaiou. Estava diante de si mesmo, só que uns 40 anos antes.
Não havia dúvidas. O cabelo, sua antiga armação dos óculos, até mesmo a camisa com bolso e duas canetas, sim, estava tudo ali. Era ele mesmo. O jovem Claudio apertou os olhos, tentando ver se o que também suspeitava era verdade.
‘- Você é…?
- Sou. Sou você, só que mais velho.
- Incrível. Estava voltando do colégio e de repente…
- Que coisa, né?
- É.
- Mas, eu do futuro, posso te perguntar uma coisa?
- Claro, eu do passado. Diga.
- Eu vou ser feliz?
- Pergunta errada, amiguinho. Mas eis a resposta: você terá, sim, momentos de felicidade. Também os de tristeza não serão poucos não.
- Ah, droga, eu sabia…
- O que você sabia?
- Eu não mudei nada. É a mesma resposta que eu me daria…
- Ora, ora. Tem um pouco de razão mesmo…’
Assim, o Claudio jovem e o Claudio de hoje começaram um animado papo sobre tudo que é assunto que você pode imaginar. De política e futebol a música e amizades. O Claudio jovem ficou encantando com as mudanças tecnológicas.
‘- Então, é ‘walkman’ o nome?
- É, mas aí veio o ‘discplayer’, como te falei.
- Difícil acreditar que tudo termina neste seu aparelho pequeno com fones de ouvidos tão flexíveis…
- Pois é, meu eu mais jovem, tem muita mudança aí nestes anos que virão.
- Eu vou namorar a….?
- Não, não vai. Ela gosta do seu amigo e você vai boiar nesta.
- Ah, eu sabia. Porcaria.
- O lado bom é que…bem…é que…
- Eu sabia…continuo não perdendo a piada, mas perdendo o amigo.
- Olha, você adivinhou, eu ia dizer isso mesmo. Agora, olha, você precisa ler mais o Anedotas do Pasquim. Tem na casa do Jihan. Pega emprestado e tenta decorar umas piadas boas.
- Então ainda não resolvi aquela minha dificuldade em festas, né?
- Você era péssimo, eu me lembro. Não contava uma piada direito.
- Nisso aí…
- É, não mudei muito desde então. Por isso tô te pedindo encarecidamente…
- Tá, tá.’
O jovem Claudio e o Claudio de hoje ainda trocaram algumas idéias sobre se deveria ser Cláudio ou Claudio, já que ambos pensavam um pouco diferente no que diz respeito a reformas ortográficas.
Caminharam até a cafeteria em que o Claudio de hoje sempre para um café e, como sempre diz ao chegar, leva alegria às atendentes que, por pena (ou vergonha de admitirem que ele não era exatamente um mensageiro da felicidade), sempre lhe sorriem em resposta.
‘- Oi gente, este aqui sou eu mais jovem.
- Oi, prazer. Sou ele, só que mais jovem. Não sei explicar, mas estou aqui.
- Tá, mas você tem que pedir um café aí no ‘tablet’.
- Heim?’
O Claudio de hoje teve que pedir café para os dois. As atendentes ficaram observando em silêncio, algo assustadas, as duas versões do Claudio conversarem e quase discutirem de forma exaltada sobre algum assunto obscuro sobre o qual, certamente, mudaram de opinião (ou mudou…ou mudei…já não sei) ao longo dos anos.
A playlist da cafeteria, sem explicação racional, passou a reproduzir as músicas da playlist do Claudio de hoje. As atendentes até tentaram mudar, mas não conseguiram. Os dois Claudios pediram um, digo, dois sorvetes com matchá (sugestão do Claudio atual) e terminaram sua conversa na cafeteria. Ambos se despediram de forma absolutamente igual. Ao saírem, a playlist da loja voltou a tocar, para a alegria das atendentes e demais fregueses.
Os dois Claudios caminharam mais um pouco. Notaram que o céu estava bem azul, sem nuvens. Ambos sorriram.
‘- É, eu do futuro…
- Pode me chamar de Claudio.
- É, sim, claro, Claudio. Foi muito bom te encontrar.
- Digo o mesmo. Você é tão simpático como eu me lembrava de nós.
- É, nós, eu, bem, já não sei…
- Opa, espera, minha playlist…a bateria do celular tá acabando…
- Sei não, mas deve ser a hora de eu voltar.’
De fato, em volta do Claudio jovem, uma fumaça branca, com um leve cheiro agradável de karaaguê (para mim é agradável e a história é minha, então…).
‘- Claudio do passado, uma coisa importante!, gritou (gritei)
- O que é? Fala logo!, respondeu (respondi, respondemos)
- Assista o ‘Homem do Riquixá’, com Toshiro Mifune. Filmaço.
- Como assim?
- Só faz o que tô falando..
- Tá bom…
- Até porque é o próximo tema de hoje…
- Heim?’
Naquele momento, só havia a fumaça e bateu aquela fome no Claudio de hoje. Sim, queria comprar uma porção de karaaguê. Foi caminhando para casa, contente, assobiando uma melodia alegre de seus tempos antigos e, claro, o próximo texto da newsletter é sobre…
O homem do riquishá - Obrigado, Claudios do texto anterior, pela propaganda gratuita. Agora vamos ao texto.
O homem do riquishá é o nome do filme Muhoumatsu no Issho, dirigido pelo ótimo Hiroshi Inagaki. Existem duas versões, ambas do mesmo diretor. A primeira com Tsumasaburo Bando e a segunda com Toshiro Mifune (este último saiu por aqui em DVD, pela Versátil). A segunda versão, aliás, ainda tem, no papel da viúva, Hideko Takamine (a estrela do belíssimo (e tristíssimo) ‘24 olhos’ (nijyuushi no hitomi)).
O verbete em inglês da Wikipedia é muito pouco informativo:
Set in the 1930s and 40s, it tells the story of Muhōmatsu, a rickshaw man played by Toshiro Mifune, who becomes a surrogate father to the child of a recently widowed woman played by Hideko Takamine.
É verdade. De fato há uma viúva, um filho e o ‘motorista’ do riquishá (melhor do que riquixá, não?). Contudo, no início do filme há também o oficial do exército japonês, marido e pai que se torna próximo a Muhoumatsu. Doente, morre e deixa a viúva e o filho. Seu último desejo? Que Muhoumatsu cuide de seu filho, preparando-o para a vida.
E ele tem uma afeição sincera pelo menino, o que o torna um quase-pai. Ao longo da história, Muhomatsu desenvolve uma paixão intensa pela viúva. Paixão que, bravamente, esconde a todo o custo porque sabe que não há como os dois ficarem juntos (barreiras sociais, etc.). É de uma abnegação admirável (quando Toshiro Mifune era o ator, não se podia esperar uma atuação fraquinha…).
Veja que o filme se passa ali no início do século 20 e a viúva é uma japonesa (e bem educada) desta época. Assim, ela não saía por aí ligando o tinder e participando de encontros às cegas. Isto, penso, torna o desespero de Muhoumatsu muito maior e/ou mais dramático. Maravilhoso exemplo de caráter e retidão, mesmo às custas de um terrível sacrifício pessoal, Mifune cria o menino que cresce e, como todo jovem, nem sempre lhe dá em retorno, um décimo do carinho que recebeu.
Há, neste momento do filme a famosa cena de Muhoumatsu tocando o taikô porque o, agora jovem, filho da viúva, que tem vergonha do humilde puxador de riquishá, volta à cidade com um amigo (creio que era um professor) que queria muito assistir a uma apresentação de taikô com, se não me engano, o ritmo de Gion (o leitor me perdoe se me equivoco, mas acho que, se errei, foi por pouco). Esta cena abre o trailer japonês do filme.
As cenas das rodas do riquishá girando, que aparecem em alguns momentos do filme, são clara alusão à passagem da vida. Lembram-nos de que a vida é assim: nem tudo é como desejamos, mas seguimos até onde podemos, com esforço.
O desfecho do filme não deve ser dito para não estragar a surpresa (se é que você não assistiu a este filme em algum festival de cinema ou na televisão…). Agora, que é um filme belíssimo, é. Existe, inclusive, uma música Enka, cantada por Hideo Murata, com o mesmo nome do filme (‘Muhoumatsu no Issho’) que costuma ser um sucesso no karaokê entre aqueles com 50 anos ou mais de idade.
O trailer do filme com Mifune pode ser assistido aqui.
Eu vivi para… - Sim, eu vivi para. Para o quê, cara-pálida (e outros com caras não tão pálidas)? Olha, ocorre-me dois jeitos de pensar nisto.
Sim, eu vivi para tentar realizar todos os meus sonhos. Não foi possível. Tentei? Acho que sim. Até o meu limite? Creio que sim. Fui perfeito? Ninguém o é. Alguns destes sonhos decidi com algumas companhias mais próximas que vieram e se foram. Foi simples? Não. Foi surpreendente? Com certeza. Valeu a pena? Sempre vale. Mesmo nos fracassos.
Também vivi para tentar ajudar na realização de sonhos de outros. Muitos ex-alunos acham que não era bem assim (quem poderia condená-los, não?), mas, olha, era. Tentei, como sempre digo aos que encontro por aí nos aeroportos ou nas ruas (e olha, com certo orgulho…nunca os encontro curtindo férias, só trabalhando), ser apenas o farol que iluminava o bom caminho (indicando que a escuridão deve ser evitada).
Agora, também é verdade que vivi para ver coisas inacreditáveis, para o bem ou para o mal. Por exemplo…
Vivi para ver o VHS surgir e ser substituído pelo DVD que, por sua vez, já está, infelizmente, deixando-nos.
Vivi para ver pessoas que viveram sob ditaduras horrendas derrubarem estátuas dos ditadores e também vivi para ver pessoas que não viveram sob ditaduras jogarem tinta ou outros líquidos em obras de arte de museus em países democráticos.
Vivi para ver o custo do cálculo computacional cair absurdamente em menos de 50 anos. Não são só os pacotes estatísticos que ganharam capacidade imensa. Também a rede mundial de computadores nos permitiu uma integração mundial como nunca antes tivemos.
Vivi para ver amizades se esfacelarem por causa de partidas de futebol ou por discussões sobre política. Como se tudo na vida fosse um jogo de soma zero, o que, sabemos, não é verdade (se você não sabe, eu te digo e pode pesquisar que, nas boas fontes. Verá que não minto).
Vivi para ver o fim de franquias como Rambo e Halloween, pois os atores principais não têm mais a capacidade física de seguir no ritmo de antes.
Vivi para ver o pessoal, digamos assim, tirar leite de samambaia (leite vegetal ‘que chama’, né?) e tomar café descafeinado.
Vivi para ver muita gente se desiludir, apoiando mais e mais limites na liberdade de expressão do outro, retomando um discurso crítico à democracia ‘burguesa’ que esteve em moda nos anos 30 (continuando nos países socialistas até o fim da Guerra Fria).
Mas não queria ter vivido para ver uma pandemia seguida de uma guerra na Europa. Bom, a gente nem sempre tem o que deseja, né (e como eu iria desejar não passar por uma pandemia? Ninguém imaginava que haveria algo assim, em tantos países, ao mesmo tempo…).
Enfim, a lista poderia seguir por mais umas horas, mas não acho que você tenha vivido para isto. Não mesmo.
Ultraseven - Fazem 55 anos da estréia do Ultraseven na televisão japonesa. Nesta semana, o ator que encarnou o primeiro hospedeiro do herói, Dan Moroboshi (este é o nome do personagem, não do ator!) esteve na abertura do 35o Festival Internacional de Cinema de Tokyo com, ninguém mais, ninguém menos que...
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Nosso Homem em Havana - Comecei a ler e estou gostando muito. Não é uma novidade no mercado literário. É do Graham Greene, que não é exatamente um autor desconhecido. Nem sei se vale uma resenha aqui. Agora, que estou gostando, estou.
Humor - Não falo nada. Olha aí embaixo.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler!
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