Eis o v(2), n(53) da news. Vamos logo ao que importa porque hoje é sábado!
Zigurate - Era um boteco muito simpático, com poucas mesas. As paredes eram relativamente limpas e o chão, sempre bem cuidado, não grudava aos sapatos pois a aquisição de gordura pelos clientes, dizia seu dono, deveria vir apenas de suas compras.
No cardápio, porções populares como a tradicional carne de sol com mandioca frita (nada de manteiga de garrafa), pão com linguiça, porção de linguiça, fritas, frango à passarinho e queijo pachá.
Para evitar tumultos, resolveu seu dono não instalar uma televisão. A transmissão de jogos, sabia-o pelos noticiários, resultava, inevitavelmente, em brigas e prejuízos. Melhor evitar o prejuízo de um quebra-quebra do que ter que trabalhar em dobro pelos próximos meses, claro.
Exceto às segundas, o bar abria todos os outros dias para o almoço - com alguns poucos pratos tradicionais como o bife à cavalo ou a tilápia frita - e ao fim da tarde, sempre ali, pelas dezessete horas, afim de pegar os mais afobados das happy hours.
A calçada em frente ao boteco estava sempre bem cuidada e acomodava mais uma meia dúzia de mesas, a despeito da irregularidade do chão o que, convenhamos, não é nada muito escandaloso neste país cujos sucessivos governos jamais se preocuparam muito com seus pagadores de impostos (exceto, claro, quando o serviço público prestado é, justamente, cobrar impostos).
O que era curioso é que o dono tinha a mania de sempre abrir as portas gritando: contemplem o Zigurate! Aliás, este era também o nome do estabelecimento. Em dias mais inspirados, inclusive, vestia-se o pequeno - e excêntrico? - empresário com uma fantasia alusiva à civilização suméria e lascava um Zigurate! ao final de cada frase.
‘- Bom dia, seu Orlando! Temos o de sempre hoje?
- Sim, seu Adalberto, Zigurate!
- Vejo que o senhor está feliz hoje! Tá naqueles dias de Zigurate, né?
- Sim, Zigurate! Contemplem o Zigurate! Pode me chamar de Ur-Nammu, Zigurate.
- Tudo bem, seu Orl…digo, Ur-Nammu, ha ha ha. Agora, tem aquela carninha de sol caprichada?’
Vivia pois, feliz, o seu Orlando com seu Zigurate até o dia em que notou a mudança de placa da antiga lavanderia do outro lado da rua. Correu ao balcão e procurou pelos seus óculos e voltou, afobado, para tentar descobrir o que haveria de novo no quarteirão. Para seu horror, viu que era um bar. Na placa, lia-se: Zigurate de Ur: o melhor quibe da região.
Quibes! Malditos quibes! Como não pensara nisto antes! Pois agora Orlando estava furioso (ref. última newsletter). Forçando um pouco os olhos notou que até a placa do novo Zigurate tinha desenhos alusivos aos sumérios, assírios e afins. Esta era uma idéia que alimentava há tempos, mas que, por preguiça (eis a maldição do monopólio…), não havia implementado. O esboço da placa, em uma folha de papel cuidadosamente dobrada, ainda estava no fundo da gaveta do caixa.
Aterrorizado (piadinha: ver aqui) e também curioso, Orlando voltou ao caixa e pôs-se a matutar acerca dos possíveis desafios que enfrentaria. Vestido como um rei sumério, olhou-se no espelho para se certificar de que seu aspecto amedrontaria alguém. Para sua tristeza, parecia-lhe que era mais um rei bonachão do que um déspota. Tentou algumas caretas e expressões faciais de raiva sem se convencer: ele era mesmo um comerciante afável. Não colocaria medo nem em um bebê...
Ainda assim, percebendo que seu império poderia sofrer contestação, decidiu-se, deixou ao seu garçom de confiança, o seu Serzedelo, a gerência temporária do estabelecimento, e foi ter com o concorrente do outro lado da rua. Foi recebido pelo garçom que, sem mostrar muito espanto com sua caracterização suméria, chamou seu chefe.
Do fundo do bar, caminhando a passos largos e decididos, veio o dono do Zigurate de Ur (o melhor quibe da região), também caracterizado como um rei sumério, para o espanto e ódio de ninguém, exceto o de Orlando. Rivalizava-lhe também na altura e no formato do corpo. Ambos usavam bigodes, mas não barba. O clima, como dizem os jovens (os jovens de alguma época, digo), pesou.
‘- Salve, amigo. Veio para a inauguração do grande zigurate, o Zigurate de Ur, o do melhor quibe da região?
- Quem, eu? Não. Eu sou o dono do verdadeiramente grande zigurate, que fica ali, ó, do outro lado da calçada. O das melhores porções da região. Orlando é meu nome, mas para você é Ur-Nammu.
- Oh, sim, vejo, vejo. Então, já que o senhor está com este humor, seu Ur-Nammu, eu sou Shulgi.
- O senhor Shulgi sabe que meu Zigurate é mais antigo que o seu, né?
- Sei. Quando comprei este imóvel eu pude ver a placa do seu boteco lá.
- Boteco, não? Zigurate!
- Sim, Zigurate.
- Pois! Por que o senhor Shulgi abriu um estabelecimento tão parecido com o meu geograficamente tão próximo? Não podia escolher outro bairro?
- Com todo respeito, senhor Ur-Nammu, o Zigurate de Ur é meu e eu faço com ele o que quiser.
- Pois que seja, seu arrogante. Verás do que Ur-Nammu é capaz! Esta região é pequena demais para dois Zigurates!
- Que seja, seu tratante! Shulgi lhe mostrará o que é um quibe de qualidade e você provará do amargo sabor da derrota!’
Ambos voltaram a seus respectivos zigurates e assim começou a épica batalha dos zigurates pela freguesia do bairro. O final desta história épica está destinado a se perder com o tempo. Afinal, são dois botecos de donos excêntricos. Talvez, mas só talvez, Ur-Nammu registre um diário, em escrita cuneiforme, com suas narrativas de como enfrentará Shulgi. Por Ishtar!
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Regulação e Ambiente de Negócios - No último número da RSP, publicado no último dia 30, há um artigo (Meneguin & Melo, 2022) que trata de regulação econômica. O tema, como o assinante mais antigo sabe, é um dos que gosto.
Regulação é uma ferramenta e, como tal, não é boa, nem má. Tudo depende do uso que se faz dela. Quer sufocar uma economia? Crie milhares de regras, intervenha em tudo o que é troca e, claro, tente substituir o poder das pessoas por uma regra cheia de ‘social’ e ‘dignidade humana’ no palavrório oficial, mas descolada do comportamento humano.
Entretanto, se você quer potencializar a geração de prosperidade de uma sociedade, crie uma regulação que respeite as motivações humanas. Como estamos nisto? O Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, por meio do Índice Mackenzie de Liberdade Econômica (IMLE), mostra que, ultimamente, não estamos tão bem assim.
Com base na metodologia do Fraser Institute no Economic Freedom of North America, o IMLEE 2021 apontou piora no ambiente de negócios de todos estados brasileiros, porém o desempenho é bem distinto entre eles. O ano da base consolidada dos dados é 2019.
A nota média do conjunto das unidades federativas do Brasil caiu para 6,37 ante 7,66 do relatório passado. É uma redução significativa e compatível com a perda de posições no ranking do país no Economic Freedom of the World 2021 do Fraser Institute - elaborado também com base nos dados de 2019.
Parte deste desempenho ruim tem a ver, como nos lembram Meneguin e Melo, com a regulação, já que esta é parte do arcabouço institucional de uma sociedade.
Ah, ao leitor menos familiarizado: entendemos, aqui, ‘instituições’ no sentido que lhes a moderna Ciência Econômica: as regras do jogo da sociedade. Que jogo? O jogo das trocas entre indivíduos. Temos trocas voluntárias (compra e venda de um produto, por exemplo), involuntárias e consentidas (impostos que pagamos) e involuntárias e não-consentidas (roubo, furto, estas são infrações e não regras do jogo).
Pois dito isto, o leitor já deve ter notado que as regulações são um subconjunto das instituições. Um subconjunto deveras importante, claro. Tão importante que Meneguin e Melo sugerem que a regulação siga por um caminho que denominam de soft regulation. Do que se trata? Trata-se de uma…
…regulação que acontece por meio de instrumentos não vinculativos que, embora advenham do poder público, não exigem monitoramento e fiscalização ostensivos por parte da administração pública [Meneguin & Melo (2022), p.202]
Se entendi bem o que os autores dizem, o ponto é desenhar regulações respeitando a racionalidade dos agentes econômicos. Aqui, a proposta dos autores me faz lembrar dos trabalhos de Elinor Ostrom que, para mim, resume-se em: aprenda com a autorregulação antes de tentar impô-la exogenamente.
Bem, e a quantas anda a regulação no Brasil? O trabalho excepcional do pessoal da Enap (especificamente, a turma da Coordenação-Geral de Dados e seus parceiros) nos permite ter uma noção quantitativa do status quo da regulação no país por meio do RegBR. A base de dados construída é um passo inicial para qualquer estudioso interessado em pesquisas sobre impactos da regulação sobre a economia e, sim, já falei dela aqui antes.
De todo modo, o leitor interessado pode gostar do texto de Menegun & Melo…
Contos - Eis um ótimo, de nove páginas. Deveria ser lido nas escolas. Eu, se uma escola tivesse, torná-lo-ia leitura obrigatória. Dentre outras coisas, estimula a reflexão sobre a ação deletéria de grupos de interesse na cultura. Grupos de interesse bem específicos, como aprendemos lendo o A Lógica da Ação Coletiva, do falecido Mancur Olson Jr., nas aulas de Public Choice.
Ah, se eu tivesse dinheiro… - …eu iria correndo a este evento. Conhecido aqui como Os Pioneiros, só vim a assistir a série quando o TCM ainda era um canal interessante. Sim, vi todas as temporadas. A variedade de temas - sensíveis ou não - tratados na série é surpreendente para a época. O elenco é todo muito carismático. Lamento que, no Brasil, só tenham lançado coleções de DVDs das três ou quatro primeiras temporadas apenas.
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Crocodilos no Japão? - Eis algo curioso.
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Curiosidades - Sim, o “até mais ler” aí da despedida, para os novos assinantes, eu roubei (mas informei) do Orlando Tosetto, autor da Silly Talks.
Por hoje é só, pessoal e…até mais ler!
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